segunda-feira, janeiro 24, 2011

1/8C+(D-d) 3/8xTI MxNA

De insana febre

Azafamado dia, de não sei que santo, mas que não me deixa flutuar sobre as perguntas transcendentes. Logo eu fazendo anos. Por que este receio de romper com as coisas estabelecidas, obtidas, creio eu, por ventura, e de me recomeçar como o mais absoluto zero à esquerda? Não cairá por isso sobre mim o manto da sabedoria. Nem fará de mim estrela de algum ocaso sem fim o estar ainda aqui. A límpida lucidez que amanha o ser em certa idade, em mim ainda tarda, embora já não sinta a fruta em seu gosto inteiro, nem pressinta o cio em seu pleno gozo. De vez em quando, penso que a minha vida chafurda mesmo no signo do aquário. Um existencialismo aquoso. De peixe a crescer e a ficar, claustrofóbico, neste aquário. De fazer cinquenta anos, contados, e saber que tudo se acaba afinal de insana febre.

Em campanha

Por cá, os ânimos estão exaltados por causa das eleições legislativas. Até os bons amigos ficam desavindos e ainda bem que é temporário. O berreiro dos carros de som incomoda-me. Não tenho vida para esse extravasar da má-língua e esse desprezar cautelas. Bem que gostaria que não se transformasse este lugar no reino demagógico dos acéfalos. Por mim, avançava-se o cronómetro e acabava-se logo com isto. Que chatice. Só espero que não haja prolongamentos, essa gritaria de fraude e outros disparates, que a malta anda estafada dessas coisas, e a hora, convenhamos, é de fazer, fazer, fazer…Cabo Verde. Aqui, e “en passant”, ficará dito que os partidos não são todos iguais. Há diferenças de forma e de fundo. Há quem se empenhe a transformar Cabo Verde. Mas também há quem insista a desiludir até nisto.

Deprimente dia

Cliff Arnall, psicólogo, chegara a uma fórmula lixada para dizer que 24 de Janeiro, dia dos meus anos, é o mais deprimente do ano. Raio de coisa esta fórmula 1/8C+(D-d) 3/8xTI MxNA. O Pranchinha, abusado de primeira apanha, diz que “C” tem a ver com o factor climático (logo em Janeiro, sendo os dias mais frios), “D” as dívidas pelos gastos do Natal, o “d” significa as despesas de Janeiro e o “T” é o tempo de «sofrimento» do Natal a esta «data querida». A letra “I” é tentativa falhada de abandonar um mau hábito…E “M” resulta das motivações individuais e “NA” a necessidade de mudar de vida. Nas antípodas a esta “data querida”, o dia 20 de Junho. Não queria estar em nada disto, senão ficar aqui horas esquecidas a jogar conversa fora. Cada momento, sendo único, é uma pérola a não se desperdiçar. Fórmulas à parte…

segunda-feira, janeiro 10, 2011

Impossibilidade de se estar noutra alma

(Não ficarei em silêncio, porque me é totalmente impossível estar noutra alma. Estávamos a almoçar no Hotel Porto Grande e me recordaste ter sido sempre um «pássaro turbulento». Eu também quis que te lembrasses da primeira tertúlia e falavas, já ao tempo, da exegese para a literatura cabo-verdiana. Creio que aquele tempo fora, de alguma forma, pródigo e marcante. Nenhum silêncio é igual ao outro. Mas, acredita, estarmos sempre juntos. Para além do gentílico de sermos cabo-verdianos, a caboverdianidade que nos detém)



Me_xendo no Baú

O reencontro com Luís Geraldes, artista plástico português, radicado na Austrália, foi uma festa. Em como a poética acasala-se com a plástica. Em como as nossas energias plasmam-se para a explosão cósmica e ontológica, deixando cair no terreno da Arte a poeira existencial das nossas vidas. Em como no cruzar dos nossos tempos, cruzam-se também os nossos olhares, os nossos afectos, as nossas sinas, as nossas misérias e as nossas exuberâncias. Em como eu, de pasmo e de admirado, olho para os quadros de Luís Geraldes. Em como ele, de calado e de mirado, escuta os versos meus que, com hífenes pelo meio, lhe emprestam viagens labirínticas. O projecto chama-se «Me_xendo no Baú. Vasculhando o U», envolvendo a dramaturgia e a recitação de João Branco e Nancy Vieira, e requerendo, em surpresa, que os versos (sem música aparente, mas ulterior, desse U a vasculhar, diria) sejam dançados por um corpo. Reptiliano corpo atomizado pela alma…

Costa do Marfim

Há leituras diferentes sobre os actos da política externa cabo-verdiana. Ainda que se deseje uma convergência e um sentido de «mainstream» na diplomacia, é salutar que haja visões diferentes. Sem crise. Aplaude-se a tentativa ao mais alto nível da diplomacia cabo-verdiana em participar da paz e da estabilidade na Costa do Marfim. O esforço do Presidente da República merece o aplauso daqueles que se apercebem dos alcances visíveis e invisíveis da política externa e da «missão estratégica» de cada acto em relação à sub-região da África Ocidental. Para além dos resultados «plausíveis» da missão, reafirma-se com ela um Cabo Verde como «país útil» (e necessário) na arena internacional e não mera caixa de ressonância e/ou base logística para as diplomacias de ponta a ponta. Tal como outrora, ao Cabo Verde que já desempenhou um papel relevante na resolução e manutenção da Paz na África Austral, agora é-lhe crucial o protagonismo nesta sub-região em que apenas uma análise estrutural avulsa não reconhece a sua importância. Lá voltaríamos aos olhares sobre os moinhos, bem à maneira de Cervantes: Alonjo Quijano, Dom Quixote de la Mancha, via-os como monstros, mas Sancho Pança, deles, só descortinava os moedores de cereal. Saibamos nestas antípodas dos olhares, fazer as nossas leituras…

Frio de Lisboa

Frio de Lisboa, calafrio de estar longe, enquanto um monstro, pior que a cabala, tenta engolir alguém que me é próximo. Este monstro – chamemo-lo pelo nome – é a Justiça, em paragens nossas, mais meretriz que senhora, vendendo-se pelas margens e conspirando-se pela calada, como se as virtudes deixassem, entre nós, de já fazer sentido. O Governo faz reformas, investe em mudanças e agiliza circuitos, mas o corpo permanece corrupto, podre e ao serviço da besta. É o corpo delito, de um delito maior e transbordante. E o terrível disto tudo seria ficarmos quedos, quietos e a medo, incapazes de cidadania e presos por um fio pelo embaraço de falarmos as duras verdades à cara dos senhores da toga. A que isso terá chegado! A quantas vai a tolerância do cidadão em relação à ignominia!

Em campanha

Passando estes tempos, haverá um País que continua. O pessoal prepara-se para uma campanha pobre em ideias, mas rica em cartazes gigantes e em carros de som. Os ideólogos dão lugar aos publicitários e as plataformas eleitorais são trocadas por camisolas coloridas. O importante não será a escolha consciente, mas o voto cabresto – umas vezes, por engano, outras vezes, por engodo, quase sempre, por propaganda. Agora me lembrei daquele amigo, anarquista até dizer chega, que rezava nestes termos: se o voto é a arma do povo, é preciso não votar para que o povo não fique desarmado. Eu já não penso assim. Voto sim. Mais Cabo Verde. Não me conformo com a «coisificação» de certas estratégias. Nem fico neutro à queda de braços entre uns e outros. Cidadão, sei o que (não) quero…

(Ser-se cabo-verdiano é uma condição além da gentílica (e quem o é, sabe que tenho toda a razão). Direi, por isso, com todos os efes-e-erres que não é fácil ter pele do outro, quando nos seria totalmente impossível estar-se noutra alma)

terça-feira, janeiro 04, 2011

Já que é Ano novo

Impossível paisagem

Agora, que é Ano novo, eis-me à tentação de prognóstico ou mesmo de resolução premente. Pulsa-me a vontade de olhar para os dias a virem, com crença e fé, mas não aquela que, embevecida, se dilui pela água das causas, nem aquele que, de ardente, se ajoelha diante dos altares da vida. Pulsa-me a vontade tão-somente legítima de ou para as coisas mais simples: a paz de espírito, o ser melhor que antes e o conceder-me à arte. Sem alarde, que é já tarde, para o homem de cinquenta. Claro que não é hora da paragem. Sendo certo o halo desse incenso pela sala e cristalino o espelho no quarto em que me olho, prefiro o remanso à voragem. Mil vezes a viagem silenciosa que a ruidosa permanência. A errância dos poetas que, diante dos reis e dos precipícios, nem se precipitam. A transigência dos poetas em tempo de rio. Rio-me disso tudo. Mirante que sou de uma paisagem impossível…

Sonho em retrato

Livre do seu enleio, sério do que não é, como diria Fernando Pessoa, assim me apercebi deste livro «O Retrato de Um Sonho», de Fábio Vieira, que, de pronto, se acomete a reminiscências e a buscas existenciais para o seu próprio reencontro através da escrita. O romance, enquanto «isto» literário, não tem tido tradição afortunada em Cabo Verde. Entretanto, esta nova geração de escritores, à qual pertence Fábio Vieira começa a marcar espaço neste género literário e a inscrever o romance – romance moderno, em toda a acepção – na vigorosa literatura cabo-verdiana, madura e prestigiada em se tratando da causa poética. Na construção da sua narrativa, parte o autor de um argumento que ultrapassa até a projecção do enredo. Conta-nos a história de um jovem cabo-verdiano, da ilha do Fogo que, ao final de inúmeras andanças a marinhagens, regressa sempre ao seu ponto de partida para se encontrar de forma mais pródiga, sendo a itinerância, mais que a reminiscência o fio condutor da sua narrativa.

Restaurante Avis

Reabre, na cidade da Praia, mais precisamente na glamourosa rua pedonal do Plateau, 5 de Julho, o restaurante Avis. Reabre com classe e intenção. Com ambição, cheirando a novo, sem recusar a sua áurea de um passado em que fora o melhor restaurante da capital. A sua gerência pensa adendar à restauração uma «agenda cultural». Música, como prato cultural forte. Mas também outras valências criativas que esta cidade potencia. Em conversa com o amigo Vito – Leitão da Graça -, um dos emblemáticos do Plateau, ficou-me a impressão de que é possível de restituir ao nome Avis, marca já mais que registada, a sua vocação de espaço de Cultura. Iniciativas do tipo merecem o aplauso de todos, pois transcendem o negócio e afirmam uma nova cidadania.

Agenda verde

Regozijamo-nos com o facto de um partido político incorporar a «agenda verde» no temário da formulação de novas respostas para os novos tempos. Aliás, alguns de nós temos reflectido séria e criticamente sobre a necessidade de uma «terceira força» efectiva, plasmada na causa ambiental e no desenvolvimento harmonioso. Essa «agenda verde» se assentaria em três eixos: o desempenho económico, a qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental. Ao «incorporar» tal agenda, continuaremos a votar nesse partido, sem que haja necessidade de desviarmos o voto. Ressalva para dizermos que voto lúcido, consciente e crítico. Não somos eleitores de votar pelo carnaval da propaganda e do marketing. No nosso caso será um mais um voto de confiança, tendo em conta a carteira de realizações e a realidade das transformações. Mais do que isso, tendo em conta o potencial das mudanças ainda possíveis e passíveis de implementar. Isentos no descrever as coisas, mas jamais neutros em pensamento, continuaremos juntos a trabalhar o futuro.