terça-feira, dezembro 29, 2009

New Year Eve

O branco


Assim, de repente, não me ocorre escrever nada. Quando venho para o computador escrever as crónicas do K Magazine não imagino antecipadamente o que escrever. Nunca sei o texto que vai acontecer. Fica-me este branco na página do Word 2007 e penso mil coisas que possam interessar ao leitor. E se escrevesse algo desinteressante, assumindo a liberdade de me desnudar? Espero, sinceramente, que 2010 traga um pouco de generosidade, um pouco de solidariedade, um pouco de fraternidade. Mas escrever sobre isso soa-me sem sentido, nesse crispado ambiente político, tão fora de hora e do tempo. Consegui não apanhar a dengue. Pedi ao Denzel que não viesse de férias em tempo aziago. E o Pablo também se safou da epidemia que trouxe medo ao ano que ora finda. Encontro forças para apoiar uma irmã, vítima de uma grande mentira, e vou descobrindo o mundo cão que isto não é. A minha cidade tem calçadas sujas, lixo fora dos contentores e buracos que nem um queijo suíço. O sonho onírico de bomba termonuclear do poema de Arménio Vieira, estrela cintilante do ano, devia ser verdade. Mas tudo é verdade. Ou nada o é. Adiante…






Migalhas de pão


No poço mais profundo das minhas emoções, perdi mais um ente querido. O meu primo Pedro, que só via de raro em raro, partiu sem dizer adeus e a minha alma, já magoada por este tempo natalício, ficou infinitamente mais triste. Morreu cedo, antes do tempo, pois há gente peregrina, tanto na vida como na morte. Sozinho, para que o mundo não me ouça, balbucio-lhe as palavras de Fernando Pessoa, sob o espanto do suicídio de Mário Sá Carneiro, em como morrem cedo aqueles que os deuses amam. Esfarela-me nos dedos uma côdea de pão da lembrança. Figura de uma estampa fina e reservada, de um humor elegante e sábio bem na linha dos Barros, lá dos Saltos, ele tinha uma alma mansa. Tinha ele também tudo para sorver a vida de um encantamento. Mas, vulnerável à compulsão do destino que lhe roubara a mãe na primeira infância, Pedro foi partindo à sua maneira, pois somos afinal pó. Ou migalhas de pão esfarelando nos meus dedos…






Eu, de 2009


Eis que o ano de 2009 chega ao fim. Trabalhei muito em termos literários. Como escritor e como escriba. Escritor para sustentar a minha alma e escriba para sustentar as minhas contas. Pudesse, estaria com a minha tralha e o meu kodé num retiro de criatividade e de estudo, mas valores mais necessários se impõem e a malta terá de me aturar em 2010. Fechando a quadratura, farei tal retiro, pois um homem não pode viver demasiado tempo apartado dos seus sonhos. Eu não tenho razão em muita coisa. Estaline, Trostky, Hitler, Pinochet, essa gente nada brilhante, apesar da tosa, tem razão em tudo. Pessoalmente, prefiro estar na dúvida e na fragilidade. Prefiro a postura de aprendiz da vida e da morte. Por isso, sou poeta. E, já agora, não encontro nítida razão para ser estruturalmente outra coisa. Sou assim mesmo e pronto, nada mais posso fazer a respeito.






Ano Novo


Acredito, mais por intuição que por certeza, ser o ano novo. A fé não tem explicações, mesmo quando move montanhas. Não será pelo Millenniun Challenge Account, nem pela Boa Governação de Cabo Verde. Tão pouco porque o meu amigo José Maria Neves anda a marcar pontos políticos. Ou mesmo porque a nossa fragilidade nos aponta para uma grande inovação criativa. Tudo isso, que é muito e notável, não bole a minha intuição. Talvez porque, tal como uma flor no deserto, aguarde por um grande amor. O próprio fazer do amor para que o glorioso poema se enovele e, por sinuosos mares amiúde, à nau de fados e sinas, também se aporta às ilhas. Mas, ficando aqui dito, não tenho certezas…

terça-feira, dezembro 22, 2009

Das três coisas

No que adormeci de repente, acordando anos antes. Como se rebobinasse uma fita. E tal me levasse, no dizendo fazendo, ao passado. Três coisas prendiam o meu espanto. O vai das ondas, já que lhes entendia o vem. O ressuscitar ao sétimo dia, mais que à extenuante escada do Calvário e ao exangue do crucificado. E a gelatinosa chuva que caía quando te foram buscar à porta do Liceu Domingos Ramos. Três coisas faziam quebrar o meu sono e, no quebranto de acordar, tremia assim de frio e de lágrima, não sabendo eu fazer o pelo sinal e muito menos rezar o Pai Nosso. Há uma quarta, que não conto, posto que fadava em silêncio o acalento que ao pranto se sobrepunha. Três coisas: Pai, Filho e Espírito Santo. E a quarta, desse credo não falaria se, de resto, ámen também não se explica, ficando impregnado na crença de cada um. No que adormeci, descrente do retorno, não sabendo exactamente quanto dos meus sonhos foi pesadelo, nem podendo dar conta dos teus arfares mais tarde, nevando alhures sobre os Alpes gementes. Desconfiado de cada flor brotada à varanda de Cressy, contava-te eu dos musgos entre as gretas de lagartixas e fazia-te rir dos formigões, das aranhas e das banbalutas.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Rabidantibus Natalício




(Eis que neste fim do ano da graça se publica o livro "De Rabidantibus Coletânea 1975 - 2006" de Manuel Delgado, enquanto numa bonita ilha do norte Cabo Verde inaugura mais um aeroporto internacional, ficando o desnorte se o Natal sem dengue sê-lo-á  igualmente sem gripe A)‏











Manuel Delgado


Fui (e continuo a ser) um admirador confesso do jornalista Manuel Delgado. Antes de mais, pela pena limpa e esterilizada, como um bisturi cioso dos cortes a fazer. Pelo texto enxuto e conseguido, dizia, sem derramar adjectivos, posto que a bandeira da isenção e da imparcialidade obrigava ao profissional o prumo dos substantivos e dos complementos indirectos. Depois, pela atitude frontal e desabrida de quem tratava os deuses por tu e os demónios com desdém, cadáver armadilhado era ele. Meio kamikaze era também o Delgado a dizer “Só se mete medo a quem tem medo”. E ele não o tinha. Finalmente, pela amizade sincera que não dispensava visões apartadas sobre a vida, a morte, Cabo Verde e o mundo, para não vos dizer, com solzinho enternecido, a luz e a sombra. E, pela minha parte, parte de amigo que fui (e continuo a ser) grato estou a jornalista Gláucia Nogueira, pela recolha e organização dos textos do melhor cronista da imprensa cabo-verdiana desde Pedro Cardoso e Eugénio Tavares!






A tarde ao seu tugúrio


Nesta cidade e nas demais adjacências, a azáfama do Natal cansa-me. As luzes na praça, as árvores enfeitadas, o corre-corre pelas lojas, o Nho San Silvestre na rádio, os cartões institucionais e a troca de prendas, enervam-me. Os jantares de funcionários por esta ocasião dão-me urticária. E os discursos políticos, quando o vocativo reza “Caros Cabo-verdianos”, fazem-me enxaqueca. A lojeca da esquina insiste que eu compre gato por lebre. A rapariga, ao balcão, desconhecendo-me lúcido e poeta, promete ao cliente a tarde ao seu tugúrio. E eu, parafraseando a amiga Márcia Souto, uma princesa lá de Belo Horizonte, dou troco devido: “Cuidado com o andor que o santo é de barro”. Creio ser do instinto primevo e ancestral este cansaço…






Pai Natal


Na madurada tarde, ouço a tua voz a dizer que embora eu não acredite, o Menino Jesus nasceu neste dia de Dezembro e tu, que o dizes com tanta eternidade, deves ter os teus canais seguros. Quando me falas, fico abalado. Balançado. Numa cadeira de baloiço em que me esqueço de mim mesmo. Bem que me dizias ser o tempo o senhor da cura. Tempo de tudo, inclusive do amor. De repente, estando eu assim viajado em divagações, alguém toca a campainha. Levanto-me de um palavrão - quem ousaria perturbar tais navegações -, e vou ver quem seria. O meu filho acha que é o Pai Natal. Mas é o mendigo que vem, mais uma vez, buscar um prato de comida. É abrir, poeta. Pode até ser (nesse disfarce) o Menino Jesus…










(Passam por mim, que me janelo ao cair da tarde, uma canalha de matuto e um casal que lhe policia o encalço, pois que então corre ainda o ano de graça de dois mil e nove, em furibundo tempo natalício onde os assaltos mais acontecem, e guardava comigo uma saudade existencialista com que vos arremesso este Rabidantibus Natalício, bem a Manuel Delgado)

terça-feira, dezembro 15, 2009

Beira-mar

(Sem luminárias, nem farfalhares. Noite de vento apenas. Amaciando a fera de mim. Estar sempre numa procura para onde não se chega ao fim. Tu não viste o céu em Spingueira. Este vampiro quis, de repente, declamar os versos de Fernando Pessoa)




Água de pranto

Canta-se morna antiga. Enquanto venta morro abaixo. E seu silvo, quase em clave, acompanha o acorde de pranto. A lira é triste. Sem espavento. O dó das estrelas, luzindo há tanto tempo! E há tanto tempo não estás. Antes, a minha vida tornara-se tão sem gosto de nada. Agora, reaprendo a estar só. Rumorejo de água. Noite de vento…



Água por quebranto

Por quebranto. Esotérico que estou, salvo seja. Eu acordei de um sonho estranho. Dir-se-ia filme de Almodôvar. Creio que te apaixonaste por um Poeta. E, nos recônditos pensamentos, suspiras em bolha espumante sob a poeira de amanho. Arfando por migalhas de palavras ou de versos incontidos. Acordei dentro de um quadro de Tchalé Figueira e seus monstros fizeram-me gritar nas cores. E a musa de um Corsário, em rosário de águas, cobrava-me o sol-posto do seu rosto. A dona pulou também para dentro da tela e acordei todo pintado, espanejando em pássaro de tantas águas. Dos mares, rios, lagos, lagoas. Os afluentes do amor…



Espelho de água

Ó varanda, o que me desnorteia é poesia. Ó mar semeado nesta azulada solidão. Ó arrebentação de qualquer maré, minha mãe tão longe. O que me atravessa para além da promessa? O que me atormenta e me amofina? Momentos, saudando a morte como à rosa dos meus anos, de meia-luz para te lembrar. Longe de ti, o que se acende ao luar é fogueira de tua saudade. E, nesta noite, os mais felizes, como um coração desenhado a giz, cantam “Espelho de Água” no escuro…



Nevralgia de lua

Podes vir agasalhar-te no meu peito. Os americanos foram à lua e esse luar virou-se nevralgia. Água da palavra, tua terceira margem. De música. Ao quando chega-se assim. Descalço e andrajoso. Exausto. Com poesia. Crioula, chovem estrelas. Ena, tanta prata…



segunda-feira, dezembro 14, 2009

Inter Coetera

(Por este tempo Cabo Verde ganhava o Segundo Compacto do Millenniun Challenge Account e o escritor pesquisava, doutro tempo, como a Ordem dos Templários, mascarada de Ordem de Cristo, formulava mapas e astrolábios com que a Bula Inter Coetera abençoara os ibéricos com o Tratado de Tordesilhas)






Cá nas ilhas


O pessoal que não leu “Dom Quixote de la Mancha”, de Cervantes, desconhecia o paradigma de Quijano e ficava pelos ajustes de seu amo servil. Sancho Pança, de pia e de casa. Se ele não via senão moinhos aos monstros que aquele perscrutava, o severino filho da terra, neste tardio caldeirão dos povos, ainda cá não estava para a panegírica chegada das naus. E quantas armadas chegaram desse horizonte para o azul? Quando os helicópteros da NATO sobrevoavam as nossas cabeças, não tão alheios à megalítica pedra com que transformamos a secura, disse-te que eram Cavaleiros da Távola Redonda. Mas tu, minha Dulcineia, recusavas todos os filmes que não falassem da Boa Governação. E contra tais motes, modos e modas, argumentos não havia…






Fazendo doer o despudor


De tudo fazia siso e senso morrer a desoras. Insano ser de outra maneira. O passar-se lesto. Ou no lapso de um triz; de só colapso cair redondo, como um ponto. Canastro acabado. Minha parte mulher seria actriz. Como o cozer do perfumado arroz. Atroz correr atrás da sorte e, de pronto, ganhar no loto e comprar um lote; e rever, entre a luz e a sombra, uma parada militar e a procissão, o Processo de K e o blackout da Electra. Acaso gozo daria viver em contramão, riso de virar chouriço, risco de virar petisco; eia sumiço de virgem, vagem de primeira boca. No descaso, louco; no facebook, foto. Haiku & ler Mishima. Na viagem, nuvem. Em lento, que o vagar concede, tal qual fogo brando, fazer doer o despudor…






Barcos encalhados


Ao redor da ilha uma centena de barcos encalhados. Não longe de ti um barco encalhado, cuja história conheces. Leio-te o poema “Cinzeiro”, de Jorge Barbosa. De quão longe destino era o deste navio? As gaivotas não o dizem. Aliás, as canoras aves só espanejam suas plumas brancas entre as espumas e a neblina. E, se amanhece, és tu à beira-mar. Ora em pedaços, ruínas de não se sabe que navegação, eis que também de prumo perdido os teus olhos náuticos contam lendas. Dunas. Coadunas areia e salitre, espumas e marés. Tens um caramujo no cabelo e olhos postos nas estrelas. Há momentos que parecem versos de Jorge Barbosa. Mas eu, perdoa-me o beijo, sou doutra pluma. E a tua ilha é um bocado de areia rodeado de barcos encalhados…



(E chegados a Cabo Verde, novos mapas de navegação astronómica foram desenhados, dando aos Cavaleiros, então Navegadores, outra orientação das estrelas do sul. E há quem diga que estas ilhas continuam geoestratégicas. Outros preferem que tudo advém da Boa Governação)



sexta-feira, dezembro 11, 2009

Silentes




A Peste


Folheio o livro de Camus. E a peste sitia a cidade de Oram. As personagens saem do livro e entram na vida real. Invadem a cidade da Praia. Mas o foco vai para milhares de soldados que embarcam para o Afeganistão. Diz-se que são mais de trinta mil. Uma loucura! Os deuses devem estar loucos. Os homens estão chalados pela certa. Sujeitos ao nexo do poder e do dinheiro. De um lado e do outro, ninguém acredita em Deus, senão no tráfico. Uns do oriente para o ocidente; outros do ocidente para o oriente. Longitudinal loucura. Os helicópteros começam a sobrevoar montanhas. Ao som dos Pink Floyd. Another brick in the wall. Folheio o livro de Camus, na cidade da Praia…



Delírios & girassóis

O homem atravessa a cidade e pára sob um grande pórtico. É o Arco de Triunfo, em Paris. Começa a mirar as avenidas em feixe, o frenesim da Praça das Estrelas. Sente-se, de repente, a perder os sentidos. Aquilo parece o centro nevrálgico do mundo. Mas não o é. Se tanto é apenas a cidade na sua trepidação do rush-hour. Impele-se para o metro. Cambaleante. Pela escada rolante. De repente, o branco. O blackout e, depois, o grande branco. Não está cego. Está sem memória. Amnésia total. Faz o caminho de volta, perscrutando pela névoa dos olhos a saída do metro. O grande pórtico com a bandeira gigante no tecto. Parece-lhe a morte. A grande lógica. O nexo todo. O resto, agora sabe-se, é a aleatoriedade da vida. Não interessa…


Tinta-da-china

Está ofegante. Terá visto o diabo em pessoa? Ou apenas um coqueiro que não dá só cocos? Recito: os frutos do coqueiro não são só cocos. Tento acalmá-lo. E chove de mau jeito. Primeiro, porque Novembro não se supõe em águas. E, segundo, porque o aguaceiro borra a maquilhagem das damas. As faces borradas de base, batom e rímel. O suplício das aguarelas desse jardim. Impressionismo. De lírios, jasmins e girassóis. Ao espelho, olha-se para o macho cabeludo. Fosse ele mandarim. O arroz à cantonesa é um poema. O triunfo dos patos. A iguaria no centro do prato, ladeado de talheres. Candeeiros com dragões e mil ideogramas. Soja é molho que lembra a tinta-da-china…


Das torres

Façam-se as mesuras ao falo. Continências a seu peso e medida. Esse é o contador de fábulas, comenta uma vidente. Das noites que não foram mil e uma. Pão e vinho. A cear onde as conspirações se fazem. Ide, depois, contaminar o mundo. Pão de trança. E Chateau-neuf du Pape, o tinto. Um alentejano maduro já era de bom tamanho. E à fala? Um novo mundo é possível, dirá um manifestante, antes de se incendiar no meio da Time Square. Agora, está-se em Nova Iorque. Caem as torres. Vai-se a uma grande matança em Manhattan. O 11 de Setembro? É pá, não comeces. Está-se mesmo a ver Salvador Allende a morrer e La Moneda a cair. Antes de ser Ben Laden, o fatídico já era de Pinochet. Mas, dizia-se, as mesuras…



terça-feira, dezembro 08, 2009

segunda-feira, dezembro 07, 2009

CRONICA #1 OU DICAS PARA SE ARMAR A ÁRVORE DE NATAL

A Sylvie, avec une glaçage royal (sucre + blanc d’œuf)


Quando (re) apareço




Não tenho tido tempo para aparecer. Estou retirado. Eremita, eu. Meio jesuíta. Finjo-me nesta sala conventual a pagar penitências antigas. Nem jejuns, nem abstinências, entretanto. Radical que sou, fossem pelas castidades, faria Ramadão. Mas não. Apenas recatado. Apartado. No meu canto. No desencanto desta babel danada. Ou procurando encanto no fonema. Aliás, no poema. A minha praia. Metafórica praia. Procurando Godot. Por isso, minha gente, não há tempo para aparecer. Tão pouco para desaparecer…







Outros mambos



Ao risco que me catalogues de alienado, mas queria semáforos nesta avenida. Ode triunfal? Chama-lhe nomes. Cidade moderna, a meu ver, não dispensa Starbucks, Dunkin Donuts e KFC. Given up eating at McDonald’s? Nada disso. Há alternativas no McDonald’s. Boas sopas e pratos vegetarianos. Estou-te mesmo a ver: Il confond allègrement capitalisme et libéralisme, qui ne sont pas exactement la même chose. Cidade moderna, continuo a falar, tem a ver com ruas pedonais e ciclópicas bicicletas que não acabam. E parques, parques, parques… planos urbanos, outros mambos.







Tropicália



Chegará um tempo de misturar tudo nestes trópicos. Trazer outros tópicos para o liquidificador da nossa cultura. Extremar a frivolidade crioula. Miscigenada terra, canta, irmão. Canta, mon petit prince du cash- flow, que a liberdade tropeçaria no tino da incerteza. Premonitório. Eu me revejo em Paulino Vieira. Quando toca no Auditório Nacional Jorge Barbosa. Mas revejo-me em Mário Fonseca. Quando a vida nascer…







Mon pays est une musique



Chegará um tempo de homenagear Mário Fonseca. O Poeta. O cidadão com capacidade de indignação. Homenageá-lo com a Associação Pró Praia. Com a Biblioteca Nacional e a Fundação Amílcar Cabral. Com a Câmara Municipal da Praia. Homenageemos Mário Fonseca, caramba. Son turbulant petit oiseau…







On a roll



Não tenho jeito para ass-kissers [lambe botas, para ser menos ordinário e mais lusófono], mas a ideia do i.gallery é boa, moderna e merece o meu aplauso. Sorte, muita sorte e cuida-te, Abraão Vicente, que a sorte inveja, como diria Fernando Pessoa. De resto: apologies to the cynics, but we’re on a roll...







Quo vadis?



Quo vadis? Tacteio, palmilho, perscruto. Vinde a mim a troika toda: Sherlock Holmes, Hércules Poirot e Leon Mandrake! Pergunto aos vizinhos. Dou queixa à polícia. Ponho edital em Xanadú. Convoco os jornalistas para uma conferência de imprensa. É que o louco de mim fugiu do hospício…







Bonus track



A Fundação Amílcar Cabral: espaço agradável de agito e cogito. E boa comida, a caprichar para o vegetariano, com um chá gelado de gritos. É só conferir…



(mas a verdadeira razão pela qual não gosto desta quadra é a azáfama das lojas - e deus me livre chegar o dia 25 sem a Árvore de Natal!)


segunda-feira, novembro 30, 2009

Intradoxos

ao Mito, pelo c_erco


A_barco
B_arco
C_rco
...de circo, meu bem.

E_quações estéticas?
Com feitoria, novo confete da confraria
p_ética.
A_berta p_orta
& o_utras a_rtérias.
M_otricidades...


Filinto Elísio

Me_xendo no baú. Vasculhando-"ú"

sábado, novembro 21, 2009

Où est ma chatte?

Um pequeno derrame na perna direita à conta das varizes hereditárias e crónicas. Um poema que não chega ao fim. Tenho o Word 2007 aberto e a síndrome persiste. Poeta soooooooofre. Fechar o soneto tem disso. Derrapa-se no último terceto e eh pá perdeu-se o nexo disto. O que ficou dito pode ser prosa. Ou prosódia apenas. Para muito distraído, pode até ser verso. Mas poesia? Estavam nele o lago e a montanha; estávamos  nós a perscrutar o barulho das águas, mas do cisne nem sinal. Terá ele partido para as bandas de Montreaux? Será que o bicho faz o Interlaken?  Já bem longe do soneto, o meu avô gostava das canções tirolesas e escutava-as, pela rádio suiça, morrendo devagar na sua cadeira de baloiço. E os meus pais partiram um dia para a beira dos Alpes, mas não viram (contaram-me depois)  "Alice no País das Maravilhas". Na minha boca, Lewis Carrol balbuciaria: "Où est ma chatte?". Um poema que não chega ao fim e o mundo que não acaba aqui. Dizem que há por aí um calendário maia que termina o mundo em 2012. É o que conta “Catástrofe 2012”, filme de Roland Emmerich. Só que, desta janela, estou preocupado com a epidemia da dengue. Isto é "Cabo Verde 2009". Desenvolvimento médio, parceiro da Europa, etc & tal. Com a presença massiva do aedes aegypti, mosquito vector da dengue, com urbanização acelerada a  custo grave da infra-estrutura e do saneamento ambiental, com a elevação da temperatura inclusive em Novembro, com a livre circulação de pessoas e bens como se não estivéssemos também na rota mundial da dengue. E a globalização, mal cuidada e não pensada enquanto abordagem do caos, que perturba toda a biota nativa de, praticamente, todos os tipos de ecossistemas da Terra, inclusive a destas pequenas ilhas no Atlântico. Prosa ou verso, o certo é que isto está mau. Julio Cesar, Jean Calvin e Jorge Luís Borges, homens diferentes em tempos diversos, curvaram-se diante do lago. Estou delirante. Não apenas por causa de um pequeno derrame na perna direita. É que estou diante de um poema que não chega ao fim...

sexta-feira, novembro 20, 2009

EX CREMENTOS

(Qual Caverna, de Platão, isto é uma cloaca.
Os lobisomens que me perdoem
De a riqueza ser gloriosa)



DO PAÍS REAL
Restos
Dejectos
Detritos
De nada
Projectos
Foda-se
DO IRREAL
Pedaços
De aço
Discursos
Palmas
&
Serpentinas
Os aprovados
Por unanimidade
DO NÃO REAL
Subúrbios
Bairros
De base
Crack
Thugs
Distúrbios
Espirros
Esporos
Gruas
+ agruras
DO HIPER REAL
X de gasóleo
Y de arroz
Z de renda
Xpto
Investimentos
Bancos offshore
Lavagens
Com detergentes
Dirigentes
Ou
Narco-advogados  :)
Dengue
Bang-bang


(arre que isto não me soa a poema, nem me troveja aqui qualquer lírio;
talvez o novo-riquismo fazendo jus a Deng Xiaoping)



NOTA DE DETONAÇÃO (De a riqueza ser gloriosa, porra): Aos fonemas aqui dispersos, dinamite à discrição e fogo o quanto baste.


Filinto Elísio


(Expoemas & textamentos)

quarta-feira, novembro 18, 2009

Versos mínimos

Bashô em mim,
como cai em ti,
o haiku de folhas
outonais.

Versos mínimos.
De quase nada.
Metade Melo Neto.
Ou apenas ponto.

O poema é zero.
Sem fonema...


Filinto Elísio


(Expoemas & Textamentos)

Tácteis outrora

tão de ti
esses dedos no zipper
e a curiosa geografia
de tua boca

e nos teus olhos
a janela
são vidros moídos
que gemem

corroídos também
além das braguilhas
são os adros
e a procissão de nós

(não digas a ninguém
que os Alpes
são deuses nevados)

soletrados ainda
de verbos arfantes
serás tu
por entre pernas

tuas mãos tantas
sequer as vejo

tácteis outrora...


Filinto Elísio

(Expoemas & Textamentos)

segunda-feira, novembro 16, 2009

Monocórdicas horas

No meu relógio, o tempo pára,
Mas os ponteiros, à tua procura,
Fazem redondas viagens
Para os desencontros, mulher.


Desta varanda, também os montes,
Que no Inverso são nevados,
Como magentas noutras estações,
E tu não estarás, mulher, nas hordas…


Eis o lago, viste como se espelha,
Assim entre o cisne que desliza
E o teu olhar de águas reflectido?


Estando eu nas margens, mulher,
Na sensação de que não retive
O tempo parado em teu sorriso.


Filinto Elísio

quinta-feira, novembro 12, 2009

quarta-feira, novembro 11, 2009

sábado, novembro 07, 2009

terça-feira, novembro 03, 2009

NEUSA


quinta-feira, outubro 29, 2009

Prosa poética


O acrónimo que forma a expressão "fuck you", assinado por Arnold Schwarzenegger, governador do estado da Califórnia, está a criar um pequeno celeuma na opinião pública americana. Disparates em tempos de crise. Enfim, cada um a prosa poética que merece...

domingo, outubro 25, 2009

PARTIDA

Aos amigos do Jornal A Nação




ESCRITA boa era a do jornalista Manuel Delgado. Punha o País em polvorosa. Metade da tripulação queria-o pela borda fora. Outra metade, onde me situava, gramava tê-lo como companheiro da navegação. Quem sabe até da vagueação. Delgado levava chamas dentro do corpo para o incêndio da 25ª hora. E o resto, sendo ninguém a claridade, ajaezava-se à andaluza; e o resto era eu, dizia, a declamar os versos de Mário Sá Carneiro…

PROTELOU-SE a ida à feira gastronómica de Santarém. O melhor da culinária crioula? Há coisas giríssimas. De fazer pecar qualquer cristão. Dos carapaus fritos e arroz de feijão, não falarei. Sou suspeito. A canja de galinha, a mão de vaca e a sopa de Rolão. E o meu lado pantagruélico, ao molho pardo, papava sem dó, nem piedade a loura que desdém da culinária cabo-verdiana. Esta saiu-me. Mas prometi escrever ao sabor do vento. Aos zéfiros…

PREMONITÓRIO livro, não se sabe se de bom ou de mau costado: Carlos Veiga – o rosto da democracia. Seu apresentador Abraão Vicente (que, por duas vezes, já o foi dos meus livros) tem razão: há que ler para se ajuizar. Não sei sobre a qualidade do livro, ainda por ler. Mais rica a bibliografia cabo-verdiana terá ficado, isso sim. Tal biografia política introduzirá outras portas para o catálogo bibliográfico nacional, igualmente por elaborar. Se de bom ou de mau costado, só o tempo dirá. Precisamos de portas necessárias para novos tempos…

PODEREI expressar-me, mais a gosto, nos meus poemas. Ou, então, no contragosto, a minha prosa, pois que o romance está feito. É brinquedo deste tempo. Crónicas, fi-las para marcar o tempo. Ou tais tempos. Mais que tempos, já que também para testemunhar lugares. Cronistas de viagens, sê-lo-emos afinal. Descobrir, de repente, a ilha dos amores e estender-se ali no vagar das horas que nos restam. Mas isto é assim: um indivíduo passa-se, qual Ulisses entre as deusas, e quer navegar pelo mar infindo. Como mesmo era aquilo? Navegar é preciso, viver não é preciso…

PRONTO, assim à parva, fecho agora o ciclo do Entre-Nós. Estar-se gagá diante da larva é o grande segredo, já que não sei levitar, nem ficar em nirvana. Ademais, não nasci para faquir. Burro velho já não aprende sobre certos segredos ao estilo desenxabido. Escrita boa era a do jornalista Manuel Delgado. Era mesmo a doer. Agora nós: Oi, partida abo é um dor profundu. Aplaudam lá a esforçada piada deste cronista a partir...

sábado, outubro 24, 2009

O iluminado...sara_mago



(...) Quando o senhor, também conhecido como deus, se apercebeu de que a adão e eva, perfeitos em tudo o que apresentavam à vista, não lhes saía uma palavra da boca nem emitiam ao menos um simples som primário que fosse, teve de ficar irritado consigo mesmo, uma vez que não havia mais ninguém no jardim do éden a quem pudesse responsabilizar pela gravíssima falta, quando os outros animais, produtos, todos eles, tal como os dois humanos, do faça-se divino, uns por meio de rugidos e mugidos, outros por roncos, chilreios, assobios e cacarejos, desfrutavam já de voz própria. Num acesso de ira, surpreendente em quem tudo poderia ter solucionado com outro rápido fiat, correu para o casal e, um após outro, sem contemplações, sem meias-medidas, enfiou-lhes a língua pela garganta abaixo. Dos escritos em que, ao longo dos tempos, vieram sendo consignados um pouco ao acaso os acontecimentos destas remotas épocas, quer de possível certificação canónica futura ou fruto de imaginações apócrifas e irremediavelmente heréticas, não se aclara a dúvida sobre que língua terá sido aquela, se o músculo flexível e húmido que se mexe e remexe na cavidade bucal e às vezes fora dela, ou a fala, também chamada idioma, de que o senhor lamentavelmente se havia esquecido e que ignoramos qual fosse, uma vez que dela não ficou o menor vestígio, nem ao menos um coração gravado na casca de uma árvore com uma legenda sentimental, qualquer coisa no género amo-te, eva. Como uma coisa, em princípio, não deveria ir sem a outra, é provável que um outro objectivo do violento empurrão dado pelo senhor às mudas línguas dos seus rebentos fosse pô-las em contacto com os mais profundos interiores do ser corporal, as chamadas incomodidades do ser, para que, no porvir, já com algum conhecimento de causa, pudessem falar da sua escura e labiríntica confusão a cuja janela, a boca, já começavam elas a assomar. Tudo pode ser. Evidentemente, por um escrúpulo de bom artífice que só lhe ficava bem, além de compensar com a devida humildade a anterior negligência, o senhor quis comprovar que o seu erro havia sido corrigido, e assim perguntou a adão, Tu, como te chamas, e o homem respondeu, Sou adão, teu primogénito, senhor. Depois, o criador virou-se para a mulher, E tu, como te chamas tu, Sou eva, senhor, a primeira dama, respondeu ela desnecessariamente, uma vez que não havia outra. Deu-se o senhor por satisfeito, despediu-se com um paternal Até logo, e foi à sua vida. Então, pela primeira vez, adão disse para eva, Vamos para a cama. (...)



Extracto do romance Caim, de José Saramago

sexta-feira, outubro 23, 2009

A luz dessa cidade




Salvador

De há muito que a minha alma entrara na cidade de Salvador. Por razões várias. E por interpostos conhecidos de outros carnavais. Mas agora ela entrou na minha alma. Sinto-me vencido e invadido.Verdadeiro amor. E sem qualquer outra racionalidade, a cor dessa cidade sou eu. Para mim é quase uma questão de nacionalidade. Mais de mátria que pátria. De Humanidade. Entranhado de tudo (do sagrado ao profano), abraço o arco da Bahia todos os que aqui estiveram antes de mim nesse recôncavo. No Rio Vermelho, de boêmias noites, estarei sempre como um “Man in the mirror”...



Genivaldo taxista

Em qualquer cidade, adoro meter conversa com taxistas. Os barómetros sociais da urbe são os taxistas, os barbeiros e os esmoleiros. O pulsar da realidade dado por estes é muito mais fiável que as sondagens e as estatísticas, estas quase sempre inquinadas e de neutralidade duvidosa. Em Salvador, tive o prazer de conhecer Genivaldo, jovem na praça, mas lúcido sobre a pornografia política e sobre a guerra social em curso. Enquanto percorríamos a orla marítima, com a ilha de Itaparica ao fundo e as histórias de João Ubaldo Ribeiro ali escondidas, Genivaldo ia contando os casos, cada um mais escabroso que o outro. Do traficante transferido para uma penitenciária federal e que, por isso, instaurou estado de sítio na cidade. Das bocas de fumo, do lixo e da prostituição. Do turismo sexual e da pedofilia com conexão internacional. Da genitália pervertida e vendida ali na avenida. Sendo depois disso o oceano, o vasto mundo. O esquecimento...


Violência polícial


Entre os vários problemas sérios que a cidade de Salvador apresenta o convívio (cada vez mais impossível) entre a extrema pobreza e a extrema riqueza é o maior de todos. A desigualdade elevada ao absurdo. E dela decorrente, a violência social. O pessoal da favela, no afã da sobrevivência, invade a cidade a toda a hora. Não há trégua. O tráfico de droga recria o novo proletariado urbano e o transeunte é apanhado, em plena rua, em troca de bala. Tresanda a sândalo e maconha pelos becos. E salta à vista uma pobreza de embaraçar os deuses. Aqui, a desigualdade confunde-se com a raça. E não se sabe se a Polícia Militar anda a dizimar o pobre ou o negro. Se a matar afinal o negro pobre, o que é circunstância tão plasmada que confunde o genocida. Pois, como diria Caetano Veloso: o Haiti é aqui...

Ana do Pós Doutoramento


Estava ela ali defronte. Do outro lado da mesa. Linda, como uma gazela surgida da neblina. Sugeriu para o nosso almoço uma sopa de caruru e uma moqueca de siri. Menu afrodisíaco, conforme o garçon meio atrevido. Mas o almoço era para falarmos da Guiné-Bissau, terra de Ana, estudante largada ali na terra de todos os santos e de todos os pecados para um Pós Doutoramento. Ana anda assustada, assustadíssima, com a Guiné-Bissau. Esquartejar o Presidente da República, onde já se viu? O garçon agora preocupado, entrara na conversa: os santos precisam abençoar esse país. E os homens devem abraçá-lo de novo, balbuciei para os ouvidos inaudíveis de Ana, posto que da mesa vizinha o pessoal cantava em coro “O canto dessa cidade é meu”. A sobremesa: Quindim de Iaiá. Apesar de balançado diante do pudim de tapioca que Ana comia ali defronte...

Estas linhas vão para Manuel Rui, pela cumplicidade não dita mas pressentida agora com “Janela de Sónia” e para Ondjaki, pela cumplicidade dita e assumida, e já agora para Odete da Costa Semedo, pelas cantigas de Mandjuandadi. Oratura boa a da nossa mesa no XXII Congresso da ABRAPLIL, na UFBA, em Salvador da Bahia. O canto dessa cidade é meu...










quinta-feira, outubro 22, 2009

(a carta da paixão)

Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpor
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
ntre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.


Herberto Helder

Nada que suscite estranheza




ISTO, meus senhores, era Eduardo Agualusa: Nunca senti a necessidade absoluta de escrever – como de comer ou de fazer amor. Em verdade, escrever, sendo prazer enorme, não se configura urgente. Nem mesmo uma angústia como se imagina o cigarro para o fumador.


MÁRIO, meu poeta, agora dissecado por analistas, autopsiado por aqueles que, em vida, te achavam irrealista e ingénuo, poeta demais para seres verdade. Agora à mercê do augúrio da política e do tugúrio do café, sorri de onde estejas e ensaia dali a tua sonora gargalhada…


CONFRADES e companheiros, assim falavam os deuses descalços, para a irreversível afirmação da nossa geração literária. Para além de detonar o sistema autoritário vigente, o que nos interessava era fazer literatura conseguida. Sabíamos, de essência e de bandeira, o que nos movia. Mas não nos comprazia o regimento…


PETRÓLEO! - Propala-se por aí. A falácia do “Yes, Petróleo” não me aquece, nem me arrefece. Nos países onde jorra petróleo, sobretudo os da nossa martirizada África, aos povos ninguém lhes gaba a sorte. O dinheiro do petróleo ainda não chegou aos pobres, que eu saiba. É claro que há o exemplo da Noruega. E o indício do Brasil com a pré sal. Mas, são dessas coisas, gente fina é outra loiça…


APETECE-ME dizer este disparate: a identidade está nas escolhas que fazemos. Nas estradas que percorremos. Ela não se confina à nacionalidade, mas aos mundos que vamos construindo. Apetece-me dizer que sou cidadão do Mundo e que meu único endereço fixo é o e-mail. Ei-lo: filintos@gmail.com


QUE te diga mais um disparate? Fosse eu político, estaria disposto a perder eleições. Recentemente, acompanhei de perto um político, por sinal amigo, a perder uma eleição. Vi-o a humanizar-se lentamente, depois disso. A ganhar poesia. E a ser um homem livre. Senti-o subitamente a ganhá-las – não as eleições, outros quinhentos, mas a felicidade. Essa coisa difícil de se descrever.


FIQUEMOS por aqui, não sendo a escrita cigarro para o fumador. Esta é das minhas últimas crónicas para o jornal. Apegado que estou aos meus versos, contos, outros escritos, mal tenho tempo (e serventia) para
escritas mais práticas e semanais. Não farei falta. Se o fizesse, seria de outra maneira. E ai do leitor que sentir saudades. Tais pieguices, como a morabeza, fazem parte da mentira nacional.