sexta-feira, janeiro 29, 2010

Indigo

(Vinhas, sisuda, absorta quase em teus pensamentos. Transeunte marginal. Meio desapercebida até. Enquanto a cidade, a ser disforme, engarrafava seus automóveis no rush-hour. E um amigo, fã de John Lennon, sentava ao meu lado na esplanada Sofia. Estampava-lhe no t-shirt uma foto de Bin Laden)



Nho Santo Nome

De parabéns está Ribeira Grande de Santiago, ora que assinalou, em festa religiosa, popular e municipal, o Santo Nome de Jesus. O momento ápice, quero crer, promete ser o lançamento do excelente livro “Cidade do Mais Antigo Nome”, parelha (em poética) de José Luís Tavares e (em fotografia) de Duarte Belo. Igualmente, li, com centrada atenção, a entrevista do seu edil Manuel de Pina, sobressaindo-se, para lá duma ou doutra picardia dispensável, uma enorme maturidade autárquica. E, metendo foice em assaz seara, ouso que Cidade Velha precisa cuidar da sua toponímia. Refazê-la e recompô-la. Queria, por exemplo, ver o nome de Padre António Vieira inscrito no berçário da nação crioula, já descrita e exaltada por esse grande mestre num dos seus sermões exuberantes.



Fundu Baxu

Em plena consagração, o conjunto Ferro Gaita vive o dilema de separação ou renovação, para a angústia dos seus fãs, grupo em que me alinho. Não me sai do pensamento um excelente documentário televisivo, assinado por Júlio Rodrigues, a reportar o “espanto dos americanos” diante do trepidante conjunto cabo-verdiano no Festival de Jazz de Nova Orleães, bendita terra do jazz, blues e zydeco. Nem deixo de pensar na triste sina, por natura ou anti-natura, de nos deixarmos esfumar pela neblina das circunstâncias. Mas quem somos nós para transtornar o destino?



(Tinha alguma conformidade significar John Lennon e, no mesmo arquétipo, ter como significante Bin Laden? Mas a cidade é isto. Polis às vezes. Barbárie, quase sempre. Alguém precisa, depois do rush-hour, falar da Paz.)

quarta-feira, janeiro 27, 2010

E no Haiti as pessoas continuam a morrer

(De repente, estou dentro de um congresso. Convidado permanente. Muitos congressistas passam por mim. Uns até leram os meus poemas. Outros, por causa do A Nação, reconhecem as minhas crónicas. A Arte é uma deusa tântrica: tem braços que não acabam e tocam-me as tuas crónicas. Às tantas, tu acreditas nas manhãs que cantam. Morreu Luís Romano, o escritor. E no Haiti as pessoas continuam a morrer.)








Do atavismo das coisas


Talvez para ti, meu bem, as coisas estejam desgarradas umas das outras. Mas, à minha mais que modesta percepção de tudo, isto anda tudo ligado. Este paradoxo azul que dá voltas nos desafia para um destino comum. A borboleta que bate asas na China e a ventania que bordeja nos Andes. O iceberg que se derrete na Noruega e o borbulhar das espumas nesta praia mansa da Boavista. E tu que sorris, como um sol amigo, e o haver Deus (ou mesmo deuses) em algum tempo ou lugar. A ideia poderosa de estar cheio de ar o copo vazio. Por isso, meu bem, permite-me esta lágrima pelas pessoas que continuam a morrer no Haiti.






Os Condenados da Terra


Releio o livro de Franzt Fannon, um dos lúcidos. Também releio as obras de Jean Ziegler e de Noan Chomsky. Revisito Amilcar Cabral. O que é a esquerda progressista nos dias que correm? Balbucio-te que nem sempre nos é possível metaforizar o discurso. Tão pouco procederia salvar o pensamento. Estarrece-me a realidade dos condenados da terra. O que dói no Haiti não é a morte, condição natural da vida. Diz o vulgo, com empírica sabedoria, que para morrer basta estar vivo. O que dói no Haiti, dizia, é a condição de vida infra-humana da maioria dos haitianos. É constatar que, para além da fome e da miséria, é o mais elevado número per capita dos deficientes físicos do mundo. Estes tempos globalitários, mas nem por isso globalizados e muito menos mundializados, quanto mais humanizados, doem no âmago. Haja Arte para que não nos mate este excesso da realidade!






Tântrica deusa


Dissera, antes de te ver, que a Arte é uma deusa tântrica. Os seus múltiplos braços, ora nos acariciam, ora nos estrangulam. Eu tenho o defeito de entrar numa tela do Mito e gritar para o curioso: “Ó badameco, olha para isto. É de um cristão não entender mais nada”. O jeito é “sensacionar-se”. Sentir-se pela matriz da sensação. O jeito é desconstruir-se para a mensagem que nem sempre vem com a roupagem da lógica. A Arte, sem alarde, não se emoldura em significado. Agora que te vejo, assim, musa de cabelos ao vento. Agora que te vejo, “sensaciona-me” esta quietude.






Let my people go


“Brave, Jean, prennez garde aux choses que vos dite”. As palavras têm peso e ocupam espaço. Usemo-las com parcimónia. E ele que não se visse tanto ao espelho. Antes visse para a gente, para o mar de gente. Para o imenso oceano humano. Almejando que isso fosse “nós”. Suplicando que isso não fosse “Me, Myself and I”. O espelho é disforme para o ego. Deforma-o. Enche-o como um balão. Fá-lo explodir com estrondo. Sob a ovação da multidão…






Você, Brasil


E partiu também Luís Romano, escritor que marcou a sua verve pela denúncia da fome em Cabo Verde. Afinal das contas, tudo tem de partir. Transmigrar para uma outra dimensão. Mas os imprescindíveis deixam um legado, como é o caso. O livro “Famintos” contribuiu não só para gritar contra a fome nestas ilhas, mas também (e sobretudo) para uma tomada de consciência sobre a Independência de Cabo Verde. Devemos a Luís Romano, tal como devemos a Ovídio Martins, a Nação livre e emergente que somos. Filho dilecto desta Nação, Luís Romano morreu no Brasil, país, primeiro, de exílio e, depois, de escolha. Não posso deixar de relembrar os versos de Jorge Barbosa: “Eu gosto de você, Brasil/Porque você é parecido com a minha terra”.






(Nos bastidores de um congresso, onde a vida realmente flui, olho-te longamente. E se nos reencontrássemos na China ou na Cochinchina? Tens cara de quem grama navegar pelos mares da poesia. Ou de quem, ao serão, recita os versos de Carlos Drummond de Andrade. Juro-te que não pretendo emocionar ninguém. E, quem sabe, cá nunca esteve quem ora vos escreve. Esotérico eu? Se as manhãs cantassem, dar-vos-ia, neste dizendo e fazendo, o braço a torcer)





sexta-feira, janeiro 15, 2010

JLT


segunda-feira, janeiro 11, 2010

DE PAREIDOLIA : NHA PAREDI & RABISLONGO


A CÂMARA MUNICIPAL DA PRAIA

Apresenta

MITO ELIAS & ANA RITA PIRES em

DE PAREIDOLIA : NHA PAREDI & RABISLONGO



ANA RITA PIRES - NHA PAREDI - retratos murais da cidade da Praia

12 pinturas + 1 projeccão



MITO ELIAS - RABISLONGO - Video-itinerância



Abertura Palácio da Cultura 14 de Janeiro 2010 - 18:30

A expo decorrerá até 19 de Janeiro



MITO ELIAS encarna o papel de FLADOR DI POEMIX apresentando 8 vídeo poemas



1. DE PAREIDOLIA - Vídeo banner de abertura

2. MÁRIO FONSECA X KRONOS - Vídeo poema à memória de MF

3. Poema Contra-idade de Mário Fonseca

4. Poemas Cidade I,II, e III de Filinto Elísio

5. Poema Holanda de Oswaldo Osório

6. Poema Caviar, Champanhe & Fantasia de Arménio Vieira

7. Poema Cidade Minha de Jorge Carlos Fonseca

8. NA FAI MINOTU - Vídeo Postal Frenético sobre a Cidade da Praia



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Calendário do trajecto de Vídeo-itinerância





Dia 18 de Janeiro pelas 19:00 - (Abertura da vídeo itinerância) - Reitoria da Universidade - Plateau

Dia 19 de Janeiro pelas 19:00 - Quebra Canela - parede lateral junto ao K

Dia 20 de Janeiro pelas 19:00 - Brasil da Achada de S.António - Junto da casa Inês.

Dia 21 de Janeiro pelas 19:00 - Rotunda do Palmarejo

Dia 22 de Janeiro pelas 19:00 - Praça Alexandre Albuquerque - no vazio da esplanada. (FINALE).



Vídeos :



1. De Pareidolia

2. Amor Sta La ?

3. Mário Fonseca X Kronos

4. Na Fai Minotu

5. X Fla Nada

6. Santo Di 1 Bez

7. Na Pundi Ki Bu Naci Pa Nácia ?

8. A Blue 4 Horace Silver



Cada projecção terá uma duração de 30 minutos



Sponsor : Câmara Municipal da Praia

Enviado às 11:18 de segunda-feira

AS CORES DE OSIRIS E DE SET




(As de Osíris são preto e verde, já as de Set manifestam-se como um deus vermelho, símbolo da guerra)



Tudo é Nilo

Amanhece com alguma calma. E Thot, o deus que o tempo mede (da clepsidra ao relógio atómico, disfarçado assim de Cronos), tentava jogar seus dados com a lua (a deusa Nut) para escapar da maldição solar. Por isso, amanhece, longe da cólera de Rá, apaziguando o universo. Como uma melodia que, em bemol natural, descamba para o sustenido. Era assim que me retratavas as manhãs que nasciam. Via-se que eras poeta, mas que não entendias patavina da música. A música, mesmo quando lenta, não se resumia assim com tanta calma. Sabias, por espanto desta cidade que, de tanto caírem as folhas, virou uma árvore desnuda. Um tronco minimal e monocromático, sem folhas, nem frutos. E tu que tanto amavas a ramagem das árvores como as cidades de viço!

Estou nestas manhãs sem inspiração para a crónica. Pareço um blackout da Electra. Uma Electra sem a propina do INPS, imaginem. Estou desinclinado para as coisas noticiadas. Os assassinatos deprimem-me. O agendamento da revisão constitucional a quem isso ainda interesse. As fotografias com as caras dos delinquentes pela Internet são o ápice da mediocridade desta sociedade. A saciedade da classe média alta e a cumplicidade com os traficantes, bem como as suas engrenagens, isso sim dava uma reportagem jeitosa. Mas o sol quando amanhece, pelo menos, no lupanar destes cuidados, não será para todos. Faço um parêntesis para saudar o Mito e a Rita que nos trazem projectos de alma, com qualidade superior. No mais, estou a zero e eremita, escravo das horas que me cansam.

Amanhece como uma medida que transborda no silêncio de quando as coisas acontecerem. Nessa resiliência surda, raramente perceptível, de estarem as coisas a acontecer. Já de ti não se ouvindo que arfares ou, no esparzir da tua respiração, o vizinho do apartamento contíguo a ressonar. Ou, por pranto, posto chorarem também os homens, como terá vindo abaixo o céu quando me morreste. Tudo é Nilo. Do sangue que me fervilha ao esperma que acata o destino da fertilidade. Set esquartejando o corpo de Osíris em mil pedaços e esboroando seu fumo pelo deserto infindo para que este jamais fosse encontrado. Triste Set, apesar de raivoso e poderoso, pior que o bíblico Caim, que não conseguiria destruir a resistência do amor e magia da beleza, resumida tudo em Ísis, consorte de Osíris.

Pela rádio, ouço o despertar de um programa musical. O deus que o tempo mede o tempo também se revela na RTC. Logrado o sol sozinho, já sendo lua o que fora pensamento, toco a escrever estas linhas que, de alguma forma, hão-de emocionar alguém. É que as coisas, entretanto acontecidas, se revelam coloridas em forma de dia.



Desacordado animal

E como estou depauperado de ideias novas. Talvez pelos termos de referência sobre um Monumento a Liberdade, a deixar pouca, mesmo pouca, margem de liberdade ao artista. Arre que as forças contrárias interagem nesses corpos. Como estou esvaziado com a criminalidade que esventra esta cidade e lhe come as vísceras. Quem sabe a medo de acordar o animal que se me esconde neste amanhecer vagaroso. Como estou em síndrome de página branca e invade-me a sensação de nítida descida para o chão e para o vão…

(As cores de Osíris representam o amor, a fecundidade e o renascimento, sendo as de Set o ódio, a violência, as tempestade e a guerra)

segunda-feira, janeiro 04, 2010

La voce della luna

(O novo-riquismo festejara o reveillon em borbulhas de champanhe no promontório das excrescências. Políticos, advogados, comerciantes, traficantes e meretrizes saracoteavam corpos, suores e perfumes ao som do Ring My Bell, enquanto a plebe, à distância, salivava a fome dos frutos do mar e sonhava com a orgia dos leitões. Ciciavas-me aos ouvidos este conto em como Sodoma e Gomorra foram o esboço da cidade, nada mais)







00:45


Tacteante, meio querendo, começa 2010. Chucho Valdez toca piano no monitor do meu portátil. É uma melodia eclética que Fernando Trueba escreve ser latin jazz. Creio que é apenas arte na sua dimensão mais sublime. O piano é percussão que bate na alma. E é este novo ano, a entrar, nas suas primeiras horas e em acordes imperceptíveis, enquanto ainda dorme o meu filho. Da janela, o dia mal começa. Divisa-se, para além da neblina, uma cidade por acordar. Revisito-a pelos telhados, com antenas de televisão, e adivinho-a pelos esparsos automóveis na avenida longínqua. Há galos que cantam para quebrar o cosmopolitismo. É melancolia a destemperar a monotonia, diria. Começa 2010 e estou em vigília. Estou mineral e desperto, como diria um grande poeta…


1:10


Chucho Valdez ataca agora um minuete e rio-me da revolta dos músicos no filme “Ensaio de Orquestra”, de Frederico Fellini. Vi-o de novo ao divisar dos anos, dir-se-ia Deus a querer que eu desse uma sonora gargalhada ao madrugar em 2010. Prometo, a mim próprio e ao mundo (ao pequeno mundo que me volteia, note-se), ser este novo ano tempo de melhor escrita e de arranque mais a sério com a canga literária aqui ao lombo. Cada cristão a sua sina e, sendo meu destino o rearmar palavras, saberei, humilde que sou, cumprir o desatino. Tenho, na ânfora da metáfora, liquefeitos versos e, no repartível pão, côdeas de prosa. Guardo-os para o banquete da vida que nasceu, vaticínio também de um grande poeta, amigo ora falecido…


1:23


Será um ano de banhos em cachoeira. Vou tomá-los ao Brasil, país hidratante e sábio, onde gorjeiam mil pássaros. Tenho encontro marcado com os meus amigos da Sexta Literária e do Clube do Bode, em Fortaleza. Levo retroactivos abraços para o poeta Dimas Macedo. Devo visita a Maranhão, onde me aguarda a professora Rute e a sua tese sobre Mensagem, de Fernando Pessoa. Falando nisso, devo também à professora Simone Caputo Gomes um reaparecimento em São Paulo, tal como à professora Nazareth Barros uma conversa literária em Belo Horizonte, ocasião para rever a Márcia, que não sei se índia ou hindu, não para lhe atazanar o doutoramento, mas para descortinar com ela o facto de o santo ser de barro.


6:18


Desta janela, vejo um jovem casal que sai do automóvel e caminha para o prédio onde moro. Ela está descalça, com os sapatos na mão, e esvoaçam-lhe os cabelos. E ele, visivelmente bêbado, tem o fato pendurado aos ombros e leva, numa das mãos, uma garrafa de cerveja ao meio. Como um voyeur, perscruto-os com os binóculos e reparo que caminham, ensonados e trôpegos, de regresso de uma festa. Terão estado no promontório da excrescência? Ou terão ido à tenda dos milagres? Imagino-os, ontem, a dançarem apertados e sequiosos da vida, apartados do cansaço com que hoje todavia regressam.


7:00


Fora ontem, na esplanada. Conversávamos sobre o inferno astral de Nero e de Calígula. De como era temerária a lucidez face ao poder. Ou tão simplesmente ao que transbordava dos homens com poder. A segunda morte de Cristo terá sido quando seus seguidores deixaram as catacumbas para engrossar o poder de Roma. Sábio Constantino que fez Pedro erguer sua igreja e doravante insidiosa passou o ementar seu nome. De quando, de mãos dadas contigo, deambulámos a Via del Fiori Imperiali  até ao Coliseu e fomos, pelas noites, atirar moedas ao Fontenário de Trevi. Só o amor vale a pena e ai de quem, de tal premissa, duvide.


(O DJ ainda lidava com Ring My Bell, quando ele, com uma palhinha cortada ao meio nasalava uma linha de cocaína. Aproveitou-se para urinar no lavatório e limpar as narinas, vistas ao espelho, com papel higiénico. Depois saiu para beber o seu uísque e discutir com a malta o segundo compacto do Millenniun. Era o charme discreto do novo-riquismo)