sexta-feira, abril 30, 2010

ARTE POÉTICA

Mirar el río hecho de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostros pasan como el agua.


Sentir que la vigilia es otro sueño
que sueña no soñar y que la muerte
que teme nuestra carne es esa muerte
de cada noche, que se llama sueño.


Ver en el día o en el año un símbolo
de los días del hombre y de sus años,
convertir el ultraje de los años


en una música, un rumor y un símbolo,
ver en la muerte el sueño, en el ocaso
un triste oro, tal es la poesía
que es inmortal y pobre. La poesía
vuelve como la aurora y el ocaso.


A veces en las tardes una cara
nos mira desde el fondo de un espejo;
el arte debe ser como ese espejo
que nos revela nuestra propia cara.


Cuentan que Ulises, harto de prodigios,
lloró de amor al divisar su Itaca
verde y humilde. El arte es esa Itaca
de verde eternidad, no de prodigios.


También es como el río interminable
que pasa y queda y es cristal de un mismo
Heráclito inconstante, que es el mismo
y es otro, como el río interminable.

Jorge Luíz Borges

quarta-feira, abril 28, 2010

UMA GAROTA MUITO ESTRANHA

Falei-lhe de Kafka (uma raridade na época)
do compromisso que tem cada um,
das elegias de Duíno e de outras conquistas
de Rainer M. Rilke.

Acompanhei-a a um exame de francês,
a uma representação de Calígula, a um cinema
atroz onde passava Júlio César,
na versão de Marlon Brando.

Dei-lhe meu telefone, uma biografia de Tolstoi
ou Dostoiewsky, uma lapiseira verde, uma preciosa
gravação do “Pássaro de Fogo”.

Mostrei-lhe todas as grades de velho estilo
que conhecia com perfeição, as livrarias secretas,
as paisagens dos arredores, um ídolo antigo
que me emprestaram os amigos, alguns poemas
uma vez deixou perceber que não pensava
nos homens para nada.

Não voltamos a nos encontrar desde então.

 
Luiz Suardíaz

sábado, abril 24, 2010

agora já é nossas vidas

E obrigam-me a viver até à morte!
José Gomes Ferreira


vai por mim que a vida
é bela. mesmo sendo o sol
monocromaticamente azul,
quando se cinzela a pôr-se
ou ali pincela, amarelada,
o teu corpo nu entre persianas.

vai por mim que morrer
terá de ser lapso. cadafalso,
essa coisa inestética, fria
luz que não seduz, deixando
para os sobreviventes o amar
em Ouro Preto, falso viver
seria partir desse azul assim.

vai por mim que, dando flor
a árvore, não se nos modifica
o mundo, quedarem-se folhas,
frutos e pássaros, o que fica
é ninguém pintar olhos à lua.

vai por mim que, mais no fim,
subtil e cuidadosa, será musa
a subverter o portão mecânico
e pelas ilhas as cores do azul,
afluentes de um rio raiva, cio
se esvai de nós para as coisas...

e agora já é nossas vidas!


Filinto Elísio

terça-feira, abril 20, 2010

Liturgia

Caia sobre meu corpo a morte
e me desnorteie por ora a vida
ficando eu, de poema, saciado.
Que a maldição dos deuses venha
ao sopro do destino
e me imponha o calendário chinês,
o horóscopo e os jogos do zodíaco.
Venha o raio no vão dos céus
e me troveje e relampeje,
me alague numa enchente jamais vista.
Quero, agora, estar fora dessa barca
e desdenhe-me Noé, pois sou já poeta
e bom de briga.
Sinos dobram das igrejas, coros,
música outra, tanto dilúvio,
pássaros que voam do vale, parta eu
para o nada – sou feliz!


Filinto Elísio
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domingo, abril 18, 2010

Me_trificações & Ar_pejos

ardentias outras, de senti-las,
flores, frutas, fomes e tantas ganas
o spleen dos verbos, o trípico cio,
argêntea-me isto quando te vejo

e ver-te é tutti de orquestra, ser-te
- sorver-te fúlgida de luz -, cisma
que não espaceia outro caminho
este sem aposento, nem poente

realejos, em terem sido: estrela,
salitre, grampo, biltre ou pirilampo
esfarpelam metrificações e versos

despenca-me o cacho de uva, seja
macho revivido, outra luminária,
terra e arpejos, também seus pejos...

Filinto Elísio

terça-feira, abril 13, 2010

Cantada

Você é mais bonita que uma bola prateada
de papel de cigarro

Você é mais bonita que uma poça dágua
límpida
num lugar escondido

Você é mais bonita que uma zebra
que um filhote de onça
que um Boeing 707 em pleno ar

Você é mais bonita que um jardim florido
em frente ao mar em Ipanema

Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás
de noite
mais bonita que Ursula Andress
que o Palácio da Alvorada
mais bonita que a alvorada
que o mar azul-safira
da República Dominicana

Olha,
você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana

Ferreira Gullar

segunda-feira, abril 12, 2010

Palmares

Interessante e produtiva a reunião com a Dra. Márcia Queirós, coordenadora-geral do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, da Fundação Palmares. Estou em Brasília, como um aprendiz. Vejam a Fundação Palmares, minha gente. O Brasil assegurou a integração dos seus afrodescendentes (a grande maioria, afinal) com políticas públicas sérias e consistentes. Sem prejuízo para outras abordagens, inclusive aquelas das intermináveis lembranças da tragédia (sendo a memória o grande activo da motivação histórica para o futuro), importa, sim, "assuntar" sobre o mérito das decisões políticas que tomam medidas práticas e possíveis para que as coisas se incrementem no quotidiano. We shall overcome...

sábado, abril 10, 2010

Outros sais na beira-mar (parte de um romance)

Percorro a avenida e na rotunda o bronze de um homem nu. Homem de Pedra, chamam-no. Aprimorado por uma noite de vento, desse vento imaterial que galopa. A intensa avenida de crina silenciosa de quando se sai do trabalho. Apetecia-me pastar noutras paragens. Deus Castanho, Lídia. Castanhíssimo. E tu, se tanto, continuas aninhada no meu pensamento. Birdland, rio-me de novo. Digo-te Birdland, neste vagar das ondas.

sexta-feira, abril 09, 2010

Bandera

Tarde inolvidável. Sol que se esvai tão lentamente quão neste vagarzinho, creio estar do teu distante olhar. Poente assaz longínquo. És de outra montanha, que eu sei. Ponte interminável. Para lá da Brava ilha. Para lá do mundo todo. Fonte do sem fim. Tarde toda do sereno. Alarde, de sol que já nem arde, minha fruta serenada. Quem te ousaria tambor desta Bandeira? Povo que passas pelas ruas. Povo que bates uma no sagrado, outra no profano. Povo em procissão da tarde. Quanta proseia, ó verso de Pedro Cardoso. Ó cidade imprescindível! Retine o sino na capela, seu travo de tamarindo. Repica no tambor a clave e o som de quem se ama. Fogo lento e silencioso. Esse crepitar não dói. Magma, melodioso sintagma. Lamento que não morre. Toada que tarda, oblongo sol que me namoras. Toada que me ficas inolvidável…na alma.

domingo, abril 04, 2010

Paradiso



O bilinguismo crioulo

Constitui alguma falácia opor a língua portuguesa à língua cabo-verdiana no universo cultural do povo de Cabo Verde. Em verdade, as duas línguas, ao longo da história, têm feito parte da mesma vivência colectiva, cada uma ocupando o seu espaço próprio e insubstituível, porque complementares na forma de ser e de estar do cabo-verdiano. O crioulo de Cabo Verde, antes de nacional, é língua materna, primeira e veicular de quase todos os cabo-verdianos no espaço intra-nacional, que é uma realidade ensimesmada no arquipélago de Cabo Verde e na vasta diáspora cabo-verdiana. Ela tem sido também a língua da unidade, da coesão e da integração do todo nacional, marcado pela descontinuidade territorial e sociológica, pelas razões apontadas. A língua portuguesa, igualmente para além de nacional, é língua segunda e de projecção internacional. É sexta língua do planeta, falada por cerca de 230 milhões de pessoas, sendo que a lusofonia já conquistou paulatino espaço na arena mundial. Ela é ainda uma língua que em Cabo Verde ganhou enorme dimensão e cultivo, devido à elevada escolarização do País, desde a Independência a esta parte. Em verdade, as duas línguas são complementares e fazem parte indissociável da vida cabo-verdiana, que é bilingue sim, não se configurando este conceito às interpretações de alguns opinion makers, marcadas por desvio à história, à cultura e à ciência, em suma por desconhecimento de causa. Questionar o bilinguismo cabo-verdiano nos moldes feitos, sobretudo na blogosfera, mais não denota que despreparação para um debate que se quer oportuno, importante e producente, susceptível de fazer história, já que, mais cedo ou mais tarde, conducente à sua oficialização constitucional. Tem se falado ainda da falta de condições objectivas para a oficialização da língua cabo-verdiana em coabitação e paridade à língua portuguesa. De que condições objectivas estaremos a referir? A de termos uma língua viva, expressão cultural do povo cabo-verdiano no seu quotidiano e na sua expressão artística? A de sabermos que esta língua tem autonomia e dimensão estrutural em termos da gramática e do léxico, como atestam de resto as peças linguísticas e sociolinguísticas já publicadas, bem como os estudos já elaborados, para além da já significativa obra bibliográfica disponível? Ou a de ter sido cultivada pelo vate dos ilustres como Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, Sérgio Frusoni, Felisberto Vieira Lopes, Arménio Vieira, Cacá Barbosa e, mais recentemente, José Luís Tavares? E cantada, com melodia transbordante, pelos quatro cantos do mundo, por Cesária Évora, Bana, Ildo Lobo, Zeca di Nha Reinalda, Nácia Gomi, Sara Tavares, Tcheka, Mayra Andrade e Beto Dias, entre outros?



De plantão

Na escala cósmica, meu alvorado amigo, alucinado que estais diante da tela luminosa do céu, a nossa grandeza terrena era uma pequeníssima partícula atómica - uma profecia esquecida pelo Criador, chamar-lhe-íamos até, à falta do melhor, Deus, tudo ou nada. Chegaria a ser cómica essa ínfima redução do anil ao firmamento, ser inclusive essa voz diluída dos poetas, mesmo que falasse de amor, apenas lapso e puro acidente. Senão tão-somente frase de efeito para aquiescer a distraída musa na varanda. Diante do plantão de nós próprios, o riso da dúvida entre o fazer apenas e o fazer bem. O que importaria afinal? O imponderável mil que desnorteava o dito bem? Como se empalideceria ele na total insignificância do disforme! Sabeis acaso aquela de Sisifo e da pedra que carregava? De repente, descobríamo-nos neste mundo pequeno e miserável. E não haveria espelho que nos realizasse, pois éramos, se tanto, a fé de um grãozinho de areia, meu imberbe amigo. O universo era um vão, quem sabe um vão infinito. Ou “desinfinito”, como alguém vaticinou. Olhando para o céu, as estrelas e nebulosas giravam nos seus arcos longínquos e silenciosos…



Do cinema

Apanhaste-me literalmente de calças na mão para que eu escrevesse sobre o cinema. Eu nasci sob o signo do cinema. Não porque os meus pais dançavam dentro de casa “Ginger & Fred” (imitando Ginger Rogers e Fred Astaire), mas porque, três meses depois do meu primeiro grito, o meu pai era feito prisioneiro político. O delito que lhe era imputado era, segundo a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), a criação do Cine-Club da Praia. Mas daí escrever sobre o cinema? Tirando os posts de João Branco, de Margarida Fontes, de Tambla e de Matilde, e de César Schofield, poucos são aqueles que escrevem sobre o cinema nestas paragens. Em verdade, ninguém faz crítica de cinema na parvónia. Sou do tempo em que se ia ao cinema, não aos multiplexes de shopping center que tendem a ganhar o mundo (e eu tô por fora, minha Princesa), mas aquele mais pré-histórico onde se poderia chorar, baixinho, em “Milagre de Milão”, de Vittorio de Sica ou rir, também em sussurro, com “O Ditador”, de Charlie Chaplin. Gosto esdrúxulo o meu? Chama-lhe nomes. Sou mais do “Rio Vermelho”, de Howard Hawks, do que “E tudo o Vento Levou”, de Victor Fleming e David Selznick. Bem mais do “Cidadão Kane”, de Orson Welles, que dessa geração fim-de-mundo aficionada em Steven Spielberg, que me não convenceu nem com o “Amistad”. Que o exemplo não se tome por azedume, nem por antipatia, posto que pai de jovem e criança. Que amei “A última ceia”, de Tomás Gutiérrez Alea, diga-se. Amei também “Viridiana”, de Luiz Buñel, assuma-se. Bem como todos – os de Fellini, de Bergman e de Allen. Entrementes, há dias em Lisboa, uma tribo de betinhos, em marcas de roupas, refrigerantes e pipocas, tomou conta do multiplex e arrancava o tal de “Avatar”. Não gostei. Do cheiro a frito que me invadia o filme de James Camerom. Do sorver pela palhinha de algum veneno, dir-se-ia Coca-cola. Sou desse outro tempo, claro está…

Da Bloga

A Bloga, meio incontornável para os escritores mais novos, incluindo os no floreio da idade, é viagem deste pobre mortal. Mas não sem o olhar crítico pela ambivalência que, ao mesmo tempo, acolhe e amplia ciência e esoterismo, talento e incompetência, autoridade e autoritarismo, arte e fraude, tolerância e intolerância, fineza e grosseria, ética e promiscuidade, transparência e anonimato covarde. O que mais espanta são tantos traficantes do ressentimento. Talvez Deus, tudo ou nada queiram que assim seja. Quem sou eu para contrariar?

sexta-feira, abril 02, 2010

KrIol Jazz Festival

Como não saudar e aplaudir um festival que, já na primeira edição, nos apresentou Lenine e Boanaventura, e, consolidando-se em segunda edição, nos prestigia agora com Mário Canonge e Mahattan Transfer? Alguém dirá que aquilo não é puro jazz, mas creio que o grande objectivo dos seus promotores (Câmara Municipal da Praia) e produtores (Harmonia) seja a miscelânea da música de qualidade, tenha ela ou não proximidade ao clássico do Jazz. Fazem-no bem. Com classe e oportunidade. State of the art. O importante, presumo, é fazer da cidade da Praia (e de Cabo Verde) um palco visível e coerente da boa música (nacional e internacional), aquela que transcende a geografia e não se ajoelha aos rótulos apressados. Crioulidade, de onde caboverdianidade também se emerge, é também seguramente a pedra expoente deste momento festivo. Música, maestro!