terça-feira, junho 29, 2010

Sonhando com Gisele Bündchen nas hesperitanas

(Vá lá que se está meio embevecido, senão mesmo agradecido e emocionadíssimo, com o País a fazer 35 anos, mas, muito entre nós, e devagar porque os “fedepês anónimos” não perdoam este sucesso, e a oposição podia ser bem melhorzinha e a situação devia de facto botar estradas asfaltadas na panela. O ensopado que não era a Grande Circular da Praia! E o resto sendo tudo ficção...)






Quebra Canela Fashion Show

Agora, falando a sério. Um cronista é o que ele deseja ser. Às vezes, desejo colectivo. Outras vezes, desejo individual. Quando não, desejo egoísta. Vaidoso até mais não, diante do espelho. De vez em quando, um cristão sonha em passear de mãos dadas, na praia de Quebra Canela, com a Gisele Bündchen (Gi, nome de casa), para a inveja da concorrência e para a infelicidade dos “creole lovers”, e é pena que, depois de tanta lira, se acorde para a carestia da luz e água. Isso para não falar do urinol em que se transformou a Tapadinha. Para nem discorrer que a tão fétida cloaca só mesmo a formol e creolina, e jamais a essa tímida limpeza camarária nos dai hoje. Benzei, com figas canhotas e vade retro; tendes o terço à mão, talismã contra o mau-olhado e praga de madrinha; cuidai da peçonha das bocas do lacaio. Agora, falando mesmo a sério. Que a vida, assaz alada ou salada russa, não se resuma ao fashion show com a Gisele Bündchen. Um cronista é amiúde homem livre, capaz de assumir as consequências (que las hay, las hay) da sua liberdade. Caminhando contra o vento, sem lenço, nem documento…onde ouvira eu esta música? Quereis ser D. Quixote de la Mancha e implicar com tais moinhos ou ficar pelo olhar chão (e mais cómodo) de pajem? Sois acaso, disfarçado e quiçá a medo da viagem, essa Dulcineia, dulcíssima e gostosa, que se revela apenas em lúgubres lugares e minguadas horas? Ou contentais em kamikaze, disposto a detonar-se em tempo de estio, arma de arremesso para o desbasto da cidade bocejante? Falando mais a sério e sem fastio. Um cronista é uma zoroástrica criatura, um avatar inter-galáctico, ora concha entre os dedos de uma virgem, ora conchavo de um deus da esquina que não se olha ao espelho? Enquanto demora o dilema, a questão de ser ou não ser, permitam-me (mas terei mesmo de vos pedir licença?) recortar a Gisele Bündchen desta revista e passeá-la (à mão e ao enlaço) por Quebra Canela. Já dissera Zadie Smith ser afinal tudo (tudo, tudo, tudo) uma questão de beleza…



O que quer o que pode esta língua

Há dias, viajando a bordo da TACV, soube-me bem ouvir os assistentes falaram em língua cabo-verdiana pelo intercomunicador. Não sabendo se medida comercial, marketing ou estratégica, o certo é que senti uma enorme firmeza linguística quando, a mais de dez mil metros de altura e a não sei quantos quilómetros por hora, a bonitona soou assim “nu ata pasa riba Canárias”. Talvez não tenha sido um posicionamento cultural, nem a pequena independência que se afronta, mas soube-me afirmativo quando o colega da bonitona, sentenciou-nos “bzote pertâ sinte pakê no ti ta bem aterá na Lisboa”. E o meu coração vagabundo, que não esperava por menos, ficou emocionado. Vou ter de esmiuçar para a Gi - Gisele Bündchen, para os menos familiares - sobre isto da língua cabo-verdiana. No fundo, só há idioletos. Como diria alguém, a língua que falo é aquela da minha boca. Sem mais…

O Brasil que aí vem

De repente, não mais que de repente, assim o grande pórtico poético de Vinícius de Moraes, a pertença de Cabo Verde à CEDEAO tornou-se, para o Brasil, a oportunidade de entrada para um poderoso mercado de mais de 200 milhões de consumidores. A confirmar esta percepção, estas ilhas podem tornar-se estratégicas para as empresas brasileiras competirem no mercado oeste africano. Há fortes amarras históricas entre o Brasil e Cabo Verde, de que resultam grandes afinidades culturais (a língua, de primeiro), mas não se pode ficar preso à saudade do passado nem ad eternum no dengoso do “eu te amo você, Gi”. Há, sim, que pegar a oportunidade com as mãos. O Brasil que aí vem é uma super-potência efectiva nesta segunda década do século XXI. Apenas e tão só o quinto maior mercado consumidor do planeta e o segundo maior receptor de investimentos externos entre os países emergentes. Um impávido colosso…


(Mas, um pecador, no valer tudo a pena, sonha com a Gisele Bündchen rendida à alma não pequena de crioulo, confirmando que sim a tónica da Ceris é a melhor do planeta, o atum de lata desta terra não conhece concorrência, o vinho branco da Chã e o café, ambos do Fogo, são os únicos da via láctea. E se a Gi, rainha deste meu rompante patriótico, me permitisse, com seu sorriso gostoso, pairar sobre o caso de sucesso que são estas hesperitanas ilhas, blablabla, etc e tal, já seria bem giro aqui estar e não noutro lugar)

domingo, junho 27, 2010

Canción del lago

Habla el lago Rupanco

toda la noche, solo.
Toda la noche el mismo
lenguaje, rumoroso.
Para qué, para quiénes habla
el lago?


Suave suena en la sombra
como un sauce mojado.
Con qué, con quién conversa
toda la noche el lago?


Tal vez para sí solo.


El lago
conversa con el lago.


Sus labios se sumergen,
se besan bajo el agua,
sus sílabas susurran,
hablan.


Para quién? Para todos.
Para ti o
para nadie.


Recojo em la ribera,
por la mañana, flores
destrozadas.


Pétalos brancos de ulmo,
aromas rechazados
por el vaivén del agua.


Tal vez fueron coronas
de novias ahogadas.


Habla el lago, conversa
tal vez con algo o alguien.


Tal vez con nadie o nada.


Tal vez son de otro tiempo
sus palabras
y nadie entiende ahora
el idioma del agua.


Algo quiere decir
la insistencia sagrada
del lago, de su voz
que se acerca e apaga.


Habla el lago Rupanco
toda la noche.
..............Escuchas?
Parece que llamara
a los que ya no pueden
hablar, oír, volver,
tal vez a nadie,
a nada.


Pablo Neruda

sexta-feira, junho 25, 2010

Perguntas de um Operário Letrado

Quem construiu Tebas, a das sete portas?

Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sózinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas

Bertold Brecht

quarta-feira, junho 23, 2010

Mulher

Me segura, mulher,

que eu vou morrer de fome,
eu vou cair de sono, aqui,
nestas areias quentes
do teu corpo.


Não tenho vida, mulher;
um sonho trago nas mãos:
amar, amar o teu amor,
e as tuas carnes brancas
e os favos de mel
sangrando em tua boca.


As tuas pernas, mulher,
as tuas pernas
cravadas no meu dorso,
e assim sem jeito,
escravo do veneno,
vou navegando no anzol
de tua língua
e vou morrendo
de morte não morrida.


Foi o amor,
a harmonia do amor
em nossas bocas
sôfregas de desejo
e de pele e de osso
e de sal e de sementes,
pois que o chão da infância
já não conta,
pois que o milagre do corpo
é a cancela
da vida que se ia
e que não vai mais nunca.


Terei para ti os lábios
e as conchas do prazer
que te darei
em sois de melodia
e em estrelas de sêmen
que descerão
por entre tuas coxas.


E que seja consagrado ao vento
o brilho desta praia
e a música destas ondas
onde te vi espumas
e te beijei sereias
para a glória do amor
e a nossa dança de luz
brilhando para sempre.

Dimas Macedo

sábado, junho 19, 2010

No coração, talvez

No coração, talvez, ou diga antes:

Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.


José Saramago
 in "Os Poemas Possíveis"

quarta-feira, junho 16, 2010

domingo, junho 13, 2010

cola_deira

ins_tante quente tre_pidante
nosso com_passo gostoso


sou-lhe corte & costura
seu vestido para a nudez
do amor


(cole den_goso comigo)


umbigo na co_ladeira…

Filinto Elísio
in Me_xendo no baú. Vasculhando o U

quinta-feira, junho 10, 2010

santo an_tão

que é de tudo se resumir à estrela.

de não ha_ver cânticos de nada;


de tudo afinal ficar calado
quedo & sub_serviente ao sol;


que é do monte se altear em nuvem
de as ondas inva_direm a praça;


do sonho explodir em real_idade
e dela fugir para a ilha de lesbos?


cansa pal_milhar a islenha a pé
andar seus caminhos de corda


se me apaga o â_nimo cruzar
a meia-noite dessa variante


olho para o dis_tante e vejo
o pássaro sobre santo Antão…


Filinto Elísio
in Me_xendo no baú. Vasculhando o U

F_ogo

unta-me nas partes ínfimas

& sejas a estação das frutas todas
en_sopado de ervas
e deixa que meu corpo te responda
- à lenta carícia dessa outra mão -
ao unguento quente
ao sustento demorado
das lacres
no afã das hordas
o visco des_medido das nossas águas
o teres seios de vul_cânicos esteios
teus beijos
são o c_aos querendo o c_osmo
só podes ser floresta es_condida
só podes ser feitiço a estas horas


eu te per_corro a cada duna
- és só geo_grafia…

Filinto Elísio
in Mexendo no baú. Vasculhando o U

quarta-feira, junho 09, 2010

lavra_s novas

outra mão
que não esta
fir_mará
(na marmórea lápide)
a frase derradeira;

mão que não dirá
de lavra_s
nem contará
(no epitáfio)
o tanto de poesia
esse largo da igreja;


mão que tão pouco saberá
do silêncio (contigo
em cada olhar) trocado;


mão distante da carícia
que foram nossas sombras
em cada soleira
e dos cães
deuses em ca_nino
(atordoados de cio
e dos instantes pesarosos)
em que falávamos
desse
feel me;

no cada_falso
(mão outra que se desconhece)
do pro_verbial verbo
(que me preveja nome todavia)
lavras da poesia
distante de palavras novas…

Filinto Elísio
in Me_xendo no baú. Vasculhando o U

terça-feira, junho 08, 2010

Ma_luada

despes-me
de me reduzires ao corpo
rente ao pêlo e à pele
ao nível zero do toque
e ao sem retoque
assim feito rosa
- mor_dida;


despes-me
de ma_luada

seja eu lobo
(uivante besta)
à sua lua perturbada


seja eu solitário
nos acordes da meia-noite;


despes-me
porque és fêmea
sêmea e quase milho
(parida flor da manhã)
porque és mãos
das cinzas esquecidas
despes-me incen_diada;


porque és onda
se_viciando a praia nua

és altas horas
em que ressona Deus no cio
das marés por virem
despes-me
e peregrino-me do corpo…

Filinto Elísio
in Me_xendo no baú. Vasculhando o U

domingo, junho 06, 2010

Entre deuses e homens

(há 3 minutos)






(Queria Hölderlin que o Poeta intermediasse deuses e homens. Procurasse ele esse nada primordial para que o mundo se refaça a partir do vazio. Mas não é fácil. Que País é esse, companheiro? Que tempo, por ventura? Talvez depois da Copa…até ver)









Começo da realidade

Cabo Verde, encontrado desabitado e no meio da encruzilhada atlântica, é terra que o cabo-verdiano criou. Desde a Hora Inicial, aprendemos que “quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha juntos é o começo da realidade”. Cedo, na ancestralidade quase do impossível, os nascidos nestas ilhas criaram uma língua e uma forma de ser e de estar no mundo. Formataram um ethos e um pathos, radicados na dispersão, primeiro, insular, depois, diaspórica, e, em longevo afã, a realidade nacional. Esta é strictu senso uma civilização: a mais ancestral das crioulas. Portamos, em toda a linha e nos ínfimos meandros, o sentido de pertença colectiva (Stand as one) e a cultura que nos interpela à uterina raiz mestiça. Eu não sei se o céu será o nosso limite, mas pressinto que tudo pode acontecer e que isto já é um país viável, quando há trinta e cinco anos era improvável. Aos que nele apostaram, com fé e crença, bem como desmedida entrega, a minha eterna homenagem…



Cidade

Para o músico brasileiro Caetano Veloso, a palavra única (primeva até) seria “cidade”. Ela resumiria o ideal (e o desejo) do homem contemporâneo. Em suma, o nosso habitat é cidade. E palavra que continuo este argonauta urbano, sobretudo agora que o pessoal legislou Cabo Verde – de 5 para 22 cidades – para a realidade urbana. Naturalmente que cidade para mim não se resume ao novo estatuto administrativo para as sedes municipais, mas importa que albergue o ideário da sustentabilidade, da gestão e da criatividade. Precisamos, com urgência, de uma visão política para a cidade. Que formule o mínimo denominador comum - com base na disponibilidade da energia e da água, de sua potabilidade, da colecta e tratamento do lixo, na qualidade do sistema de transporte, do tratamento de esgoto, da poluição do ar e do congestionamento de trânsito – e, a máxima programática, em prol da correcção ecológica, da fruição cultural, da economia solidária e da liberdade cidadã. Cidade, a rigor, é uma responsabilidade para com a qualidade de vida e o bem-estar colectivo.



Saudando abstractamente o infinito

Todavia, o ter estado numa floresta a declamar poesia foi uma grande escola (muito para além desta visão apolíneo-dionisíaca): de respeitar o ritmo da natureza, de mudar a lógica do consumo, de dar importância ao tecelão da hera, de dar aos lugares a sua real dimensão de ecumenismo. A floresta ensina a pensar, a entender a angústia do reconhecimento e a ansiedade de superá-la. Ensina que o caos não é o cosmos e que o crescimento nem sempre é desenvolvimento. E, na boca da noite ou na flor da manhã, apesar de tudo, nos restará apenas e tão-somente o tempo para amar. É que o ódio, por mais que se explique, não condiz com o tempo que nos sobra. Nas antípodas do ódio, a poesia exige uma contemplação, uma tolerância, uma coisa zen cada vez mais difícil de ser encontrada nesta visão reduzida de Pólis que nos alucina.






(Estará o Poeta preparado para intermediar, como queria Hölderlin, deuses e homens? Enquanto isso, em carácter paliativo, temos a Copa. Estando entre Circe e Penélope, este apolíneo papará as duas. Falávamos de cidade, não era?)

sábado, junho 05, 2010

Distância justa

No amor, e no boxe,

tudo é questão de distância.
Se te aproximas demasiado me excito
me assusto.
me ofusco digo bobagens
me ponho a tremer.
Porém se estás longe
sofro entristecido
me desvelo
e escrevo poemas.

Cristina Peri Rossi

quarta-feira, junho 02, 2010

Biógrafo de n_ada

a Weliton Carvalho

sou este biógrafo
          1 tanto falhado
que não se olha
          senão de soslaio
e que me recusa
          ao pão do dia;

1 biógrafo talhado
máscara diria
          de anjo "gauche"
cão fiel que me aguarda
          algures na morte;

todavia
          a  face não me res_guarda
- não sou mais nada!

Filinto Elísio
in Me_xendo no baú. Vasculhando o ú

terça-feira, junho 01, 2010

NPG

Passaporte de Poeta

No guichet que dá para a sala do embarque internacional, os agentes da Polícia de Fronteira, verificam os passaportes. Alguém, ao nosso lado, assobia “Imagine”, de John Lennon. Assobio sintomático. Será que ele imaginaria se todos portassem o passaporte de poeta? O mundo sem os outros muros de Berlim, mais insidiosos e invisíveis, agravado de cercos intangíveis, para as nossas grilhetas recauchutadas? Aprende-se, aos poucos, que as fronteiras não são a panaceia da soberania, nem franqueiam sociabilidades humanas, mas instalam-se como limites impostos ao Homem para o (não) exercício (ou claro condicionamento) das suas liberdades. Ir para além dos territórios, circunstancialmente marcados pelos princípios e interesses de uns, mas não necessariamente de outros, é o que nos motiva para o desejo visceral da poesia. A metáfora que rompe os limites e se apropria da geografia, ocupando a terra como um só corpo, nos configura filosoficamente como a mais suprema liberdade. Mesmo que estejamos parados no lugar, quedos ao tempo como um zero que se alucina aos outros números, seja sempre o nosso pensamento esta coisa desmedida e libertária. Voar na ideia e no desejo, anti-síndrome de Medeia que, por esquizofrénica, nos balançaria o espírito, para além do improvável que reduziria as fronteiras a pó. Assim, entendidos, tenham a bondade, de verificar o nosso passaporte. Pode não estar aí firmado (preto no branco), mas somos poetas…



Ritual xamânico da poesia

Já imaginaram um ritual xamânico da poesia? É mais ou menos assim: um sol a pôr-se, um rio que não acaba e um perfume intenso de planta. O elogio do fruto bendito no seio da terra. Lá longe, o resto do mundo. Ler poemas de José Luís Tavares, de Manoel de Barros, de Márcio-André ou de Pedro Tamen, ao coro dos indígenas amazónicos a cada versejo? O realejo do batuque, como os trovadores de beira-rio, também eles querendo metaforizar as cantigas de Santiago? Pois bem, sermos delirantes ao sabor da floresta e ao farfalhar das águas, afluentes do grande rio, é parar um pouco e pensar o mundo em parte e no todo. Sermos delirantes, assim ao calor dos afectos e dos afagos de línguas que se diferem, mas em linguagens (gestuais, muitas delas) que se abraçam. Sermos apartados das realidades que levávamos, como se estas, por aplacadas e limitadas, nos permitissem o gozo de um simples piar do pássaro turbulento. Já pensaram o que é tocar a relva e sentir o rente de como pulsa o planeta, corpo vivo, activo e premente, nosso afinal por não sermos mais que natureza? Um colibri corta o ar e, em nosso pensamento (ou será sentimento?), faz que também canta. Que ritual, minha gente!



Prémio Camões

Isto já começa a ser bonito: Prémio Camões 2010 para Ferreira Gular. No ano passado, fora Arménio Viera. Para o gáudio colectivo. Poetas nossos. Dançávamos, agora, o NPG (nosso passo gostoso, não mais), celebrando o feito. Ao sabor do Poema Sujo. Ou daquela música que retrata o rio Congo. Em Salimp, salão do livro de Imperatriz no Maranhão, falámos a África e a necessidade de prosseguirmos a plena libertação mental. Contra o “mental slavery”, cantado por Bob Marley, em Redemption Song. O movimento vai para além da questão dos africanos para se radicar numa convergência mais integral e que emanciparia todo o ser humano. A interculturalidade, o ambiente, a economia justa e solidária, a estética e a ética da alma e do corpo, o respeito por todas as formas de amor, deverão emergir como políticas públicas globais. Bem que Edgar Morin, radicalizando a sua teoria sobre os conhecimentos (que já são mais de sete, mas infinitos), prognosticava a Poesia como a próxima linha. A percepção criativa como uma outra metodologia de perspectivar a vida. O olhar ecológico, radicalmente ecológico sobre todas as coisas. Isto já começa a ser bonito. Gular escrevera que você é mais linda que a Baia da Guanabara ao entardecer. Parece ser verdade…