sábado, julho 31, 2010

OUTROS ACHADOS ALEGÓRICOS


 


A didáctica do cronista

Não será tanto à força da didáctica, nem sempre conseguida, diga-se em verdade, que se constrói o universo do cronista. Talvez seja o insólito, quando não os faits-divers, que o interpelam para a escritura literária. Descrever o tempo, mais que os lugares, nesse recolhimento involuntário de fazer ressurgir a luz e, ousar sem conseguir, a eternidade, que o faz servidor deste tempo, ora de estio, ora de chuva, mas anjo bom de um anúncio que não se sabe. É nos subterrâneos da alma humana que se guarda a verdade do cronista, já o dissera Dimas Macedo. Apartado, diria mesmo marginalizado das honrarias e dos elogios, cada vez mais crente das virtudes da grande solidão, eis que interessa ao cronista vasculhar o tempo que se refaz no assédio das vontades e na construção dos castelos de areia. Os caminhos que o levam à morfologia e à sintaxe são aqueles que desembocam para a essência das coisas e dos seres. Nas antípodas, as vestes talares da sociedade – esta tão pequena e circular quão decadente em seu brilho – são adornos para um deus das esquinas.

Pelo lago imenso

Já fiz estas águas tantas vezes. Não poucas vezes, recortei no pensamento tão nevados cumes. A textura das águas é fabricação da vida e do amor. E os caminhos de Ivoire guardam semânticas do crescer, a cada tempo e ao seu sol das estações. Não escreverei por cá os detalhes pelo escol dos olhares, nem tão pouco irei para além das subtilezas com que se arquiteta um grande amor. O cronista ficará sempre pelo mais elementar: a metáfora de projectar sentidos no mágico e, por vezes, no trágico de alguns episódios do nosso quotidiano. Tantas vezes, tenho feito estas águas, mas em nenhuma vez, como agora, nesta catarse de aprender o fantástico e o maravilhoso. E o resto... são os cisnes, os patos, os gansos, as gaivotas. Os abetos que se amarfanham nos carvalhos. O triunfo, por suposto amofinado, de quem se acasala no altar de uma pequena igreja. A grandeza dos pequenos nadas: o acender de velas tão-somente.

O desafio de amar

O desafio de amar Cabo Verde é o de pressentir o seu descompasso ambiental e da sua mal resolvida política ecológica. E mais do que amar as ilhas é pensar a sua dimensão ambiental onde a vida nasceu, despudoradamente, ser crítico dos decretos que não se conciliam com a Lei e a Constituição, e dos fazeres que jamais abraçassem as boas práticas. Vejamos, desta feita, a Praia Negra...o crime grande. A Cultura deveria ser o vector primeiro de transformação das intenções de qualquer projecto político. A cultura, no seu sentido macro, conjugada com uma forma, não arcaica, de prestação educacional e com os princípios da qualidade de vida são, possivelmente, as mudanças que Cabo Verde reclama: a) para entrar na estrada do futuro; b) para acelerar a caminhada para o desenvolvimento sustentável. O pesadelo da Praia Negra...que nos refaça o pensamento.

sábado, julho 24, 2010

Xadrez


Projecto de Marcio Shimabukuro

ao leito de estarmos

outrossim...não mudam os deuses de costume

que a lua estando cheia te faça sorrir

e o lago ora azul respingue aos teus pezinhos beira-mar;



quando soletra o sol
   em solstício e de letras

sete: uma a uma
a mandar vir
   entre consoantes e vogais;

espreitas
   no poema
alquimia que não será
o estarmos no chat :)
ou »(¨0¨)«
quando não »(^º^)«
anagramas
da não inscrição
das ilhas que somos;

regressas aos lugares
às suas guapas e raras iguarias
ditoso (és tudo) assim: do musgo silencioso
ao distraído monte
   e seus abrolhos
bem como à cabrocha
tendo por serpente
a de tatuagem no teu dorso;

ou no dorso da carruagem
   metro para saint germain de prés
grafitti  duende que broxa

que lhe acudissem o sexto sentido + 1
que lhe afoitassem o sétimo sentido
seus sábios pés que palmilharam creta
labirintos e outros tantos infinitos;

que a lua estando cheia te faça sorrir

e o lago ora azul respingue aos teus pezinhos beira-mar
as formigas continuem o seu labor de pão

e cada dia em Ivoire amanheça sem lá estarmos
os cisnes deslizantes sem que os dragões desçam alpes
degladiar côdeas de broa e de poesia 
elfos e bacantes dos tambores pelos orbes
e se te silencias às horas que tanto gemem
como sempre rangem ao leito de estarmos...


filinto elísio




 

domingo, julho 11, 2010

A namorada

Havia um muro alto entre nossas casas.

Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail.
O pai era uma onça.
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por
um cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra
Era uma glória!
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.

Manoel de Barros

sábado, julho 10, 2010

L´albatros

Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage

Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.


A peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.


Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!


Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.

Charles de Baudelaire