segunda-feira, agosto 30, 2010

Calor do cão

Calor do cão e seu efeito estufa



Quem adora a chuva, o cheiro a bosta, a lama diante do Palácio e este calor que desorienta e tu dizes desse pantanal (chama-lhe nomes) efeito estufa, atire a primeira pedra. Vá lá que a Barragem do Poilão deva estar de açude transbordante e o preço do pimentão, antes pela hora da morte, esteja a cair pelo mercado. Democracia passa pelo comércio justo para as coisas do quotidiano e não os postulados constitucionais que, estes sim, não servem para guisar com mandioca, batata inglesa e inhame. Democracia, a par dos salamaleques da liberdade de mandar vir, de comprar partido político na prateleira do supermercado eleitoral e do striptease eleitoral, devia ser  a Praça Alexandre Albuquerque sem o mamarracho e a Praça do Papa sem o paparracho. Quem sabe até sem este calor do cão e seu efeito estufa. E a bufa de ninguém atirar a primeira pedra…


Bairro rico


Já o cronista Manuel Delgado, o melhor a que se permitiu esta urbe, dizia que o Palmarejo é um BRCV – bairro rico com vacas. Em verdade, tais leiras eram lugares de pastagem, paraíso inteiro dos bovinos em tempo de chuva, longe do logro da especulação imobiliária e do hilariante espartilho disto em metros quadrados e seus passeios de meio metro. Mas daqui se vê o mar. Ó da casa, ó da casa, mas isto aqui também não dava um “cluster do mar”? Imagina-se a terra longe. Por favor, não cantes “kem mostrabu es kamin lonji” que está mais que visto e ouvido. Já nem as vacas nos emocionam. Nem as vacas sagradas, companheiros. Quanto mais as vacas profanas de divinas tetas. Ruminando, estas são pontos cardeais, no visor que se deixa olhar pelo Google Earth.

sábado, agosto 28, 2010

Ocê vai me comer, vai me saborear.

Mote

Navego no Google Earth. Girando a Terra ao mote do mouse, eu te vasculho nesse recanto. Poeta tem disso. Não só para te dar conta do Conchas de Noé & Arcas Ostras – cantos, contos e causos, mas para, neste acalento, dançar contigo aquela música de Gilberto Gil, Assim, sim: http://www.kboing.com.br/gilberto-gil/1-1048426/.

Da secreta vida das plantas

Enquanto invento mais uma crónica, o meu filho mais velho arruma as suas coisas para entrar na UMass Lowell e, meio emocionado, entre o rir e o chorar, procuro entender as plantas. Para o meu pasmo leitorado a pergunta se impõe: o que tem a ver o cronista com as plantas? Pois bem, pasme-se mais ainda o leitorado: depois da poesia e da culinária, o cuidar das plantas é uma das minhas maneiras de estar no mundo. Há gente que gosta de estudar a bolsa de valores, vibrando da alta ou lamentando da baixa do Dow Jones. Há gente que suspira por Shakira e passa horas esquecidas sob o chuveiro no refrão Waka-waka. Há gente que acompanha a guerra do Afeganistão e ainda se surpreende que ganhar a guerra sem ganhar a paz seja uma espécie de chover no molhado. Eu não. Prefiro cuidar das plantas. Da secreta vida das plantas. Terei sido, outrora, um alquimista. O gozo que me dá em podar uma roseira, aprontar um camarão ao alhinho e burilar um soneto.

Pausa para o telejornal

Coloquei uma videira a trepar pelo terraço, mas a bonitona preferiu sair pelas escadas. Caprichosa, meu Deus. Agora ela está parida de umas uvinhas preguiçosas, porém doces, como o prenúncio do moscatel da Chã. Os alecrins brotam dos vasos e fazem cá um chá que nem conto. E as acácias doidivanas dando-se às abelhas o ano todo? E os manjericões que me animam o pernil no forno, prato que o outro meu filhote adora? E será que os meus cactos também aparecem no Google Earth?

Esse poeta!

Hoje, reparei que o poeta anda meio calado. Zen. Parado a ver o mundo daqui. Contemplação inconsequente, apenas. Hoje, definitivamente, o poeta não está para as coisas políticas, sociais, culturais, gramaticais, lexicais, religiosas, filosóficas, existenciais, metafísicas, ilógicas, lógicas, racionais, pundonorosas, astrológicas, atmosféricas ― e paremos por aqui, porque o rolo do papel higiénico chegou ao fim. Ademais, excesso de Google Earth também cansa…

segunda-feira, agosto 23, 2010

Tirano de Siracusa


De vez em quando, alguém me interpela no meio da rua. Como é escrever crónicas todas as semanas, entra ano e sai ano? Com a maior tranquilidade, respondo que é apenas dever, compromisso como qualquer outro. Faz parte do meu trabalho. Aliás, não sei mudar roda de carro, nem jogar futebol. No Liceu Domingos Ramos fui o pior futebolista de todos os tempos. Também não serviria para cantar e dançar em cima do palco. Tentei em criança, mas tinha voz desafinada e ginga de contradança antes de virar moda. Tão pouco tenho jeito para líder político. A multidão me comove e, desculpem a franqueza, ela não merece o meu coração. Naturalmente que a crónica não contribui para o orçamento deste cidadão. A bem da verdade, a crónica não paga conta nenhuma e, apesar dos que têm gostado com generosos elogios, cria alguns até anti-corpos da parte daqueles que, por se acharem importantes ou rodarem à volta do próprio umbigo, se lêem retratados nos meus textos. E, chegados a este ponto, devo dizer que o desafio de me tornar um escritor a sério não se compadece com os personagens que me frequentam a realidade. Política e socialmente falando, não se pode deixar de ser e de estar na Cidadania, mas, na literatura, depois de se compreender as lições de Platão no episódio do Tirano de Siracusa, as coisas ficam apartadas. Trigo de um lado; joio do outro lado. É sem lenço, nem documento. Por isso, aos senhores que me abordam na rua, mesmo no dever da escrita, permitam-me a vontade por inteiro. Aliás, é a minha forma de não morrer desta chuvarada que ninguém merece e o meu jeito de ir respirando o rarefeito ar da liberdade. Esperando que, por ventura, mas sem obsessão, tais escritos interessem a um mais esquecido na sua solidão.

sábado, agosto 21, 2010

Chuvosos deuses do assombro

Canta, irmão. Chove, mermão. Isso de a chuva falar mantenha. Troveja, relampeja e, não sendo ora dilúvio, isto aqui não é fácil, irmão. Enlameia-se a cidade. A capital vitoriosa da nação a ganhar torna-se uma fétida cloaca. Tresanda a excrementos dos humanos e das suas alimárias. Na babel dos aromas, emerge também o de ratos mortos e o de traficantes ainda vivos. Praia Maria da Vitória, debaixo da água dos céus, é um Deus nos acuda. Tantas construções clandestinas nas encostas e nas ribeiras a desafiarem a uma grande tragédia. Tanta pobreza, para não dizer miséria, a boiar no charco de propagar mosquitos do paludismo e da dengue, para não dizer da febre-amarela. Para acabar de vez com o sentimento épico e com a réstia do patriotismo encharcado, mercê do enormíssimo contributo para o desenvolvimento, a Electra dá o ar da sua graça e nos faz experimentar pela enésima vez o breu. Para que valorizemos os raros momentos de luz, irmão. Atarantadas, mais que às virgens loucas, raparigas das fraldas e arrabaldes, estas almas penadas que somos buscam um pingo de luz. Não essa dos iluminados que não dá uma para a caixa, mas das lâmpadas públicas e domésticas. E já agora um pingo de água. Canta, irmão. Chove, mermão. E é como aquilo de morrer de sede ao pé da fonte. Não ter por senão este torpor. Tê-lo, com desnorte e desalinho, ao escárnio dos subalimentados do intelecto, aliás dos nossos tão patuscos quão burlescos pequenos burgueses, diga-se. O resto, mermão, é continuarmos com a cabeça presa ao corpo e termos estômago (o dos nossos filhos, sobretudo), tal que se nos afoita a cantar os chuvosos deuses do assombro…

sábado, agosto 14, 2010

À sombra da grande árvore

Da terra, ora verde, ora magenta, resguardo uma borboleta azul,
dois azuis rapazes e uma princesa da cor do mar…


1.

Vão desculpar-me mas vou escrever sobre isto. Deu-me para ficar horas esquecidas a sentir o pulsar das pequenas coisas: a lagartixa que, rastejando, dribla a curiosidade do rato, por sua vez atento ao gato. Havia de cá estar um cão mais raivoso e não este pachorrento e dorminhoco, suspirando se calhar pela cadela dos seus sonhos. Deu-me para olhar à secular árvore que, se erguendo portentosa no quintal, testemunhara tão aqui ter sido senzala quão acolá casa grande. Ainda cheira-me a café no grande pátio. O ancestral café debulhado, torrado, ensacado, levado para longe no lombo dos burros, quando não dos escravos. Pressente-se a áurea feudal deste lugar. Para além do sobrado, com a sua azáfama onde uma ama serve chá à patroa, estende-se a terra – do mar ao monte. E a terra é luxuriante. Mentalmente, luxuriante, nas plantas de suas ramagens. Nas flores e nos frutos. Mas, quando não chove, a retina se retinta em castanho e cinza, de a cordilheira ser interminável. O verde vai dar lugar a essas cores, em contraste ao mar e ao céu que também se azulam nesse infinito. Apesar das estações, como às mulheres menstruadas de tão férteis e a seu tempo, a terra é luxuriante. Dir-me-ão que é descrição desgarrada, sem enredo. E eu respondo que sim, agora que o cão acorda, já não estando o gato por perto e a lagartixa furtiva tão pouco. Que é sem enredo. E a igreja matriz, badalando o sino em descompasso, faz esvoaçar pombos em bando…para mais longe da terra luxuriante.

2.

Fui me abençoar à velhota que, do parapeito jusante ao mar, sorria da minha presença. Ela também se deliciava com a chegada dos botes, hoje, em tempo nublado e aziago. De pouca faina. Meio pequeno, todos se conhecendo e se sabendo. E ela: você, moço bonito, o poeta ganha muito dinheiro? Ganha pouco, ganha nada. Ganha outra coisa que não dinheiro. Moço bonito, o poeta ama o sol deste amanhecer? Ama, sim, com lágrimas nos olhos. Contei à velhota que, se não houvesse vivalma por perto, eu cantaria ali até que o sol tomasse o rumo ao dia. E me confidenciou que a lua costumava andar atrás dela à noite. E eu, para não dizer o mesmo, confessei que tinha algumas estrelas de estimação e que o zodíaco pertencia à minha mãe. Ah, como queria que os meus bisnetos fossem poetas! Sem dinheiro, mas amantes do sol do amanhecer. Rimo-nos. Com estrelas de estimação (guardadas no coração, corrigiu ela) e a lua seguindo-lhes o rasto pela noite. Dois pescadores, esquecidos ou quiçá resignados da amofinada faina, aplaudem a nossa conversa. Meio pequeno, todos se conhecendo…

3.

Alguém me telefona, assustado. Incendiado, diria. Então, José Luís Hopffer Almada, poeta e ensaísta, disse no Debate Africano, da RDP África, que “Outros Sais na Beira-Mar” não era um romance? Rio-me. Dou gargalhadas. Não com o dito do confrade, mas com o susto e o frustre do meu interlocutor. Que luminária! De facto, são escritos que se encadeiam aos solavancos e recusam a linearidade. Fichas que se entrecruzam. Uma bela ruína, disse-lhe. E, de resto, José Luís, tirando-lhe a mania dos heterónimos, é um respeitável ensaísta e um bom poeta, pelo que tem opinião mais que abalizada sobre o miolo e o conteúdo desse livro, editado pela Letras Várias. Entrementes, tragam-me caixas a rodos e aos magotes. Do romance, do não romance, da crónica, da não crónica. E mando aí os meus escritos. Há dias, quis escrever poemas existenciais (e eram para os meus azuis rapazes) dentro de uma caixa dos sonetos. Com magníficos desenhos do Mito. Chamei-os “Li Cores & Ad Vinhos”. Terminei agora os poemas do “Me_xendo no Baú. Vasculhando o U” e eles se emparelham aos quadros de Tchalé Figueira, se grafitam para corpos dos bailarinos e fizeram já sorrir a princesa da cor do mar. Igualmente, a fornada dos textos em prosa, para a borboleta azul, diz no frontispício “Conchas de Noé & Arcas Ostras: Cantos, Contos e Causos”. O mesmo (esse que se indigna) me diz: és bom em títulos. Não sou bom, coisa nenhuma.

4.

Sou melhor em cuidar das roseiras. Acariciá-las no carinho e no gostoso com que se demora no ninho da amada. Muito melhor no preparo do arroz de pato ao forno (temperado com sal, alho, cebola, salsa, pimenta, louro e mel, e salpicado de chouriços, bacon e cogumelos). Sou de longe melhor em compor a mesa, recolocando os pratos, talheres e copos. No protocolo de amar com fome e sede, mas sem perder a delicadeza. E, nessa linha, também ouso escrever. Como quem bebe um bom vinho e debica iguarias no canapé. Vagarosamente. Socialmente. Diria mais, existencialmente. Escrevo amiúde em múltiplos dos momentos. Dos lugares. E dos vagares. Multiformatos. Multiusos. Bom mesmo é estar aqui e agora, à sombra da grande árvore. Vão dizer que não é um luxo esta quietude de escutar o barulho das ondas? Que me desculpem, mas escrevo sobre a terra luxuriante. A lagartixa reaparece e passa pelo formigueiro que labora sobre réstia de pão. Também estão por perto duas baratas, um grilo e um escaravelho. Faltam-me agora apenas a borboleta azul, os meus azuis rapazes e a minha princesa da cor do mar…

quarta-feira, agosto 11, 2010

Mosteiros, o sol, o cão e o agente da Polícia

1.

O sol nasce e morre no mar. Aqui nos Mosteiros, ilha do Fogo. Tenho de escrever a crónica para o jornal A Nação. Ter de escrever é algo que não vos descrevo. Escrever? Poderemos deslindar esta questão de muitas maneiras. Escrever bula de remédio é uma coisa. Escrevinhar, chutando a gramática e esnocando os frémitos dos doutos, era até giro. Detonar a radioactividade nas academias. Seviciar a linha do sujeito, predicado e complemento directo. Acabar de vez com o IILP e rir às bandeiras abertas dos imortais. Nasce-me e morre-me no mar o sol. Nos Mosteiros, como já sabem. Escrever para ninguém se chatear com o cronista é outra coisa. Escrever de pulso aberto não é uma coisa, nem outra. É um desafio ulterior, regressar a um dos ímpetos mais antigos do homem. Escrever poesia, por exemplo. Submeter-se ao repertório lícito da disposição das palavras. A ancestralidade abissal da poética, haviam de ver.

2.

Deambulo pelas ruas da vila nesta manhã nublada, porém de um sol nascente no mar. Os meus próximos estão longe e os conhecidos daqui estarão a dormir ainda para que eu os vá incomodar com o meu dilema existencial. Enquanto o mundo é isto, posso dar-me à liberdade de passear sozinho pela vila: se eu fosse conversar com os pescadores na Praia do Beco, se eu cumprimentasse o padeiro no largo da praça, se eu declamasse uns versos de Álvaro de Campos à funcionária da Câmara Municipal que varre o jardim, se eu me tornasse roxo ou esverdeado, virtualmente como um marciano. Mas não: quem paga impostos não se pode dar ao desfrute. E fica-se pela mesmice, pelo tédio de sempre, ter de escrever as coisas de sempre. Vou até à orla do mar e vejo os botes apinhados de peixe, a faina ledíssima dos homens do mar, a maresia reconfigurando esses homens do trabalho. Fico meio leviano…na ledice mesmo.

3.

Sob o olhar curioso de um cão vadio, o agente da Polícia Nacional fala pelo telemóvel e conta da cava tristeza de perder uma amada. Os polícias sofrem, como eu, de amores perdidos? O homem diz que sim a alguém do outro lado da linha. Apetece-me indagar-lhe as angústias todas. Como se ele as soubesse. Saberemos nós as nossas angústias todas? Apostei que vertesse umas lágrimas, mas entre triste e indignado, ele suplicava apenas pelo regresso da amada. Se eu lhe declamasse tais versos? Seria desacato da autoridade. O que ando a escrever por estas páginas, quando a moda é discorrer sobre a avaliação dos médicos, o alargamento do recenseamento eleitoral, a mulher condenada à morte no Irão e o derrame do petróleo um pouco por todo o lado. Ao menos escrevesse sobre a política e não este afã de um cão vadio atento ao agente da Polícia Nacional…

4.

A poesia vem antes do Verbo, antes do Pensamento, antes do Criador. Ela se enquista na premissa de vida, além da própria linguagem. Ao improvável, não se tem prova, mas foi a poesia a formular e a formatar o Criador. Segundo um naturalista, o Verbo surgiu menos por afrontas fisiológicas (fome, sede, tesão, sono…) do que por premissas morais (amor, ódio, saudade…). O homem podia ser lobo do homem ou comer o fruto proibido sem dizer nada a ninguém. Nem a si mesmo. Calado, sem pio, nem ai, faria tudo o que a fisiologia demandasse. Mas ao amar de verdade (com musa, diva e devoção), ao veio poético que amanha o coração, sentiu a necessidade do Verbo. Escrever, por conseguinte. Na angústia e no abismo do sentir com as palavras, senão em tal escondida cerne da Humanidade. Aqui, nos Mosteiros, o sol nasce e morre no mar. E escrever sobre a lua são outros quinhentos...

segunda-feira, agosto 09, 2010

A um coração


"Coração de Filigrana de Oiro"



Ai! Pobre coração! Assim vazio
E frio
Sem guardar a lembrança de um amor!
Nada em teus seios os dias hão deixado!...
É fado?
Nem relíquias de um sonho encantador?

Não frio coração! É que na terra
Ninguém te abriu... Nada teu seio encerra!
O vácuo apenas queres tu conter!
Não te faltam suspiros delirantes,
nem lágrimas de afeto verdadeiro...
É que nem mesmo — o oceano inteiro —
Poderia te encher!...


Castro Alves

domingo, agosto 01, 2010

Banho de mar é que Hera


Depois do debate do Estado da Nação, apeteceu-me tomar banho de mar. Essa infusão mais filosófica que balnear. Gana imorredoura e devagar por um mergulho, escorrido de pouca, mas tão boa quão Gamboa, água pelos meus veios e devaneios. E dar gargalhadas do subtexto que esse mais velho, em sua avinagrada e burra mensagem, se assumiu de quem não sabe mais que aquilo ali. Desexplico-me (com desaforo existencial, ora), como, em demo de comparação, se aguardasse o sapo à mosca ou a aranha, de se aquietar na teia, disputasse também tal presa, posto tudo vir dar à soleira do seu a seu dono. Decomponho cada palavra, mesmo aquela do outdoor com desinência esdrúxula, que um partido deu de plantar pelos caminhos de carro, a jurar pela alma dos seus maiorais que andamos todos a dever não se sabe mil e tantos euros (cotadíssimos em colonizante paridade). Decomponho cada pensamento que precede a fala, quando as baratas fazem turismo nas fatias de bolo e as formigas laboram nas côdeas de pão. E os grilos, donos das madrugadas, cantam do que a aurora prometera e não cumprira, como se o dever nas campanhas eleitorais fosse falar verdade. Desemplifico-me à petizada, atordoada pelo Estado da Nação, ser preciso ligar-se à terra, fingir-se morto. O que faz falta é fechar os olhos. Parar de respirar só por lapso adâmico. Pelas frechas e frinchas, pelas gretas e grutas, pelos buracos negros onde entra a luz e se inexiste. E a linha recta se entorta à boca do espanto e tudo se espaventa como o ó de santa diante do mistério. O virar inorgânico, mais que pedra. Pedro de igreja, medra a basalto, ao concreto plano da montanha. O resto é lascivo e menos néscio à vossa complacência. Moda fossem adjacências à ilha grande suas sobras do arquipélago e, ainda por arriba e a jusante, sua diáspora. E moda fossem gradas às vozes de sereias assaz navegações dos porcos pela ínsula, em que os dias e as noites, de parelha, seriam, por sua banda, equinócios de nada. Banho de mar é que Hera…