segunda-feira, dezembro 27, 2010

IMPRESCINDÍVEL HINO

Do irrecusável hino que nos faz sonhar

Com tristeza, soubemos do falecimento de Norberto Tavares, de quem éramos amigos e por quem tínhamos enorme admiração. Admirávamos nele o talento artístico e a convicção com que encarava Cabo Verde no Mundo; a forma generosa, mas crítica, com que se permitia às coisas instituídas, quase sempre alienantes. E a nossa amizade por ele se fundamentava na abertura do espírito e na cordialidade no abordar tudo, inclusive os assuntos mais triviais. Quando lançara há muito, muito tempo, o álbum “Volta pa fonte”, afirmação cultural e cidadã de singular transcendência, Norberto Tavares assegurara o seu assento (tónico acento, diga-se de passagem) no panteão dos músicos de Cabo Verde. O seu diferencial rítmico, melódico e poético, bem como semântico, estava ali para ficar e marcar várias gerações sobre a necessidade de se modernizar pelo afirmar das origens e da identidade. A metáfora do amor à mítica Maria, de lata de água à cabeça, palmilhando os caminhos da fonte, continua a marcar o nosso imaginário e a determinar a nossa férrea vontade de mais Caboverdianidade. Saudamos o amigo Manuel Veiga que, então ministro da Cultura, rebaptizou, na Cidade da Assomada, o Centro Cultural Norberto Tavares. Saudamos também o cidadão Carlos Tavares, emigrante nos Estados Unidos da América que doou um rim a Norberto Tavares numa arriscada operação de transplante. E gostaríamos que, por ocasião do 35º Aniversário da Independência Nacional, Norberto Tavares recebesse a condecoração do 1º Grau da Ordem do Vulcão, entre tantos artistas agraciados. Afinal, tratava-se do autor de “Nos Cabo Verde de Esperança”, irrecusável hino que nos faz sonhar!

Eleições com rosinha e outros que tais

Prepara-se a procissão para sair do adro. Em verdade, os cães, por sacrilégio, de há muito latiram ao latinório. Egrégio momento, não fosse esse de promessas vãs e de sacos de cimento por votos. Pela missa, presumem-se raios e coriscos, que tal areal, quando entrado pela rua, ninguém o segura. Enxurrada de povo, dir-se-ia a de água, é coisa mesmo séria. Povo desaguando no estuário do processo histérico. Já se viu isso antes, primeiro, ao tempo em que acreditávamos na revolução e, depois, ao tempo em que embarcamos na democracia. Agora, somos mais lúcidos. Menos bentos com a República. Ninguém faz vénias aos venais. Ou faz? Eleições com rosinha e outros que tais desafinam qualquer um. É nosso caso. Por modo que descrer nas manhãs que cantam e essas lerdas é também uma forma de ser e de estar em tudo. Ou, consequentemente, em nada. De sorte, sendo sempre cidadão, é-se poeta consequente. Apoiando causas, verte-se o suor e derrama-se o sangue, como se expressa em palavra, mas não se matricula para o exame da polis. Há uma direita sinistra que se disfarça e se recauchuta, mas que, trocada por miúdos, não engana mais ninguém. É preciso dar-lhe luta...antes que anoiteça.

O Processo

Lia-se Kafka, pela derradeira vez. Vasculhava-se n´ “O Processo”, a ver se o que acontece por cá era menos absurda que a sorte de K, julgado e condenado por uma engrenagem maior e invisível. Onde é que já se viu o Estado de Direito Democrático, que se arvora atento aos Direitos Humanos e tudo, permitir confissão de preso sob tortura ou sob efeito de droga? Ou de acção processual acelerar-se por interesse de um acusador público, subvencionado claramente por um maquiavélico comerciante da praça? Ou mesmo a promiscua relação entre uma testemunha, entretanto reclusa de outro crime, receber de um procurador o livro de Dan Brown, simulacro de alguma corrupção ou chave de um mistério que, a todos os títulos se revela promíscuo, senão mesmo corrupto? Pior do que isso, a escala de um juiz da mafiosa troika – ficando ainda a recorrente pergunta de quem julgará os juizes – para ajuizar um jogo de cartas marcadas e de trunfos na manga. E, ante que anoiteça, é preciso lhe dar luta...

2011

Ei-lo à porta. É hora de nele entrarmos. De forma nova e inovada. Sem a corrupção da Justiça. As grandes questões do nosso tempo serão: uma agenda verde para Cabo Verde, uma agenda de economia da cultura e uma agenda da economia solidária. Por um desenvolvimento sustentável...porque um mundo melhor é possível. Ademais, meus caros, muito paz, muito axé, sarava & morabeza!

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Crónica de Natal

Crónica de Natal

Em tempo de Natal, está-se com a sensibilidade mais desperta, tão desperta e aflorada, que não se consegue fazer uma crónica normal. Ainda que livre, escorreita e navegável, a crónica exige alguma racionalidade e não se confina ao velejar pelo oceano incerto, ora para o sotavento, ora para o barlavento, havendo esse mar azul para o sem porto de alguma chegada. Naturalmente que, tal o pensamento, serei sempre livre para escrever sobre a trivialidade das compras de Natal, como se a natividade de Jesus fosse uma conspiração capitalista em que até os «condenados da terra», mercê do regabofe e da consoada, se empilham na procissão do consumismo. Poderei também, já que o sentimento é mente mais que coração, discorrer sobre a paz, a reforçar, e a fé, que nunca morre, de a campanha eleitoral aí à porta não se resvalar para a crispação, ditame de uma baixíssima política. Não podendo fazer crónica normal, posto haver sempre a tristeza da ausência da minha mãe, estúpida lei da vida alguns não terem mãe pelo Natal, fica daqui para o meu leitorado (menos, Filinto Elísio, muito menos, companheiro) um abraço pela fidelidade e uma certeza de não me terem de aturar, como cronista, em próximo futuro.

Toalha de mesa de Natal

Até o simples halo, suspiro de nada, é poesia,
teu olhar de passagem, coisas assim fugazes,
não precisam ter luz, apenas sombra, que encantam.
Às vezes, é um dizer marginal, teu subtexto somente,
pois o não dito diz tudo, mais que o suposto. É cotovia
pelo modo que canta e pela moda que voa, seu esvoaçar.
Outras vezes, é vento que bole, tão breve que leve a folha.

Nuance de vinho na rolha, a telha, grená, de argilosa,
tanta lembrança que lhe trança o linho, toalha de mesa
eis o Natal agora sem ti ao brilho desta Árvore,
e ao que te soletraria perdido, em lágrima, poesia!

Em tempo de campanha

Leio, com indignação, o que um jornal nos permite só porque estamos «em tempo de campanha». Em democracia, a imprensa é livre, mas não pode tudo. Nenhum poder pode tudo, aliás. Até o Parlamento se incorre à dissolução e o Presidente ao «impeachment», bem como o juiz pode ser julgado. Só em regime fascista e/ou totalitário aparece uma imprensa (próxima aos «iluminados») sem limites. Ademais, sem uma imprensa voltada à formação de opinião, capaz de fornecer informação confiável e comentário preciso, o próprio Estado democrático pode acabar avariado, escreveu o filósofo alemão Jürgen Habermas. Afora a «boutade» dessa pasquinada em formato de jornal, e já agora não se deveria também permitir campanha eleitoral, com carro de som (que não pode tudo, carago), à porta da Maternidade, o Natal vai entrando e se entranhando aqui aos poucos.
Personalidade do ano

Um dos disparates (e não são poucos) da imprensa é escolher, nesta altura, as personalidades do ano. Pior do que isso, só certas condecorações em que os medíocres distribuem o «faz de conta» em detrimento do real mérito. Entrementes, este ano, igualmente por estarmos em tal tempo, não se melindre a airosinha CNE, a imprensa não deveria escolher fulano, beltrano ou sicrano para o «faz de conta», até porque a personalidade do ano parece ser claramente Julian Assenge, com o seu blog Wikileaks. Os vazamentos de documentos confidenciais, não só revelam os meandros de como se enformam decisões, como informam à nova sociedade civil global sobre as teias urdidas neste mundo, em que nunca Maquiavel foi tão actual.
















quarta-feira, dezembro 15, 2010

Temporão

Temporão

Essa versão da democracia como a panaceia dos nossos males da alma? Essa política da raiva, do fel e do agressivo? Essa espécie de «cloaca máxima», que em Roma Antiga drenava os esgotos, aqui aos do pensamento? Não me façam rir. Esse discurso cartesiano, da lógica barata, da ladainha de sempre? Convenhamos que merecíamos melhor neste tempo de estio. Acreditá-lo nem por isso. Tão pouco creditá-lo. O Livro diria: «tanta vaidade e o vento que passa». Aplaudo a retirada dos outdoors, todavia. Ao menos isso, companheiros. Eram feios, sovinas e avarentos. De enorme mau gosto. O pessoal não aprendeu que a estética poderá fazer parte da política. Ou talvez pense que somos «o admirável gado novo». Uns simplórios que se satisfazem com a vulgata. Em verdade, não o somos, acreditem…

Quando se alvoroça

Às vezes, na quietude, o alvoroço destas árvores. São as acácias da minha rua, umas antigas, outras nem tanto. As de outrora me recordam a infância (tua trança ali, primeva transa acolá). E as de agora, se calhar por noviças, nem de alhures me lembrariam a nada. Se te contasse dos malucos do meu tempo: Bernas que também era epiléptico; Fátima Doida, elíptica como ninguém; Soraya, olhos grandes e perfume de eucalipto. Mas não, eles agora inexistem e o texto, sempre fora do contexto, reedita as suas sombras. Deve ser do troço de tais árvores. Ou arvora-se em tua face o corte diagonal do tempo. Sabias que a neblina não é inocência em estado puro? Tudo se liquefaz – do retrato de Che à Constituição Nacional, passando, naturalmente, por esses altares de se ajoelhar. E faz-se lua. Algo mais que o luar. Enluarar pode ser o infinitivo de assaz verbo. Quão intransitivo. É mais do que se fazer à lua. É ela, toda nua, a fazer-se em mim. Um dia, tu vais entender…

De vez em quando

Apanha-me deste lado o fastio ao passear por estas ruas. Acontece-me, assumindo amar cada esquina e cada luz ensombradas, por tão lúgubre raiar, que se incendeia hoje aos homens da cidade. Apanha-me deste lado a náusea de encorpar essa pasmaceira com que as horas vão pingando, torneira a gotejar em dia de água, ora à míngua de luz eléctrica, ora à bonança de um estio reinante. Haverá gente, que não este a escrever, resignada ao paulatino assalto dos facínoras. Gente resultante do que, à 25ª hora, se ordenha diria que de fartos benesses e doutros agrados de quem ordena. Apanha-me deste lado o que, por pudor e recato, se recusa a gritar em mim. Tempo pródigo de sair por aí…

segunda-feira, dezembro 06, 2010

INFERNAL OUTRO: ESSE MISTÉRIO


«Tenho o micróbio da liberdade e da escolha ardendo em minhas veias»
Airton Monte


Céus, que há seca na Amazónia

De vez em quando, vendo o noticiário pela televisão, reparo que o mundo não está saudável. Ao meu lado, o meu pai pergunta: «É o planeta que não está bem ou somos nós que agora sabemos de todas as suas mazelas?». Cogito ser isto e aquilo, as duas coisas. Gilberto Gil, músico e sábio, diria que hoje a Terra é pequena, porque o Mundo tornou-se grande. Nas antípodas, o Mundo antes era pequeno, quando enorme era a Terra. Talvez seja isso. Entrementes, a variável da depredação ambiental terá enfurecido o planeta e a Europa neva antes do tempo, os furacões perdem o seu norte e as enchentes perigam a Austrália. Céus, que há seca na Amazónia! Outrossim, o sistema de informação dos Estados Unidos, como outrora o seu sistema de segurança à fúria do Ben Laden, desmorona-se à «pirataria electrónica» da Wikileakes e já não se entende mais nada. O que afinal se revela é o que todos sabíamos e o que todos os países e estados, dignos do nome, fazem: cuidam da sua «inteligência», dão seguimento à agenda do Outro. E Jean-Paul Sartre ensinava: «O inferno é o Outro». Nada mais evidente e assertivo. Debalde, em Cabo Verde entrámos na corrida eleitoral. Espera-se, sem ilusões, que a disputa pelo voto se faça com lisura, com candura e com responsabilidade. Não que haja razão objectiva para esperar tanto civismo, mas, que diabo, a esperança não morre e, um dia, o pessoal há-de perceber que o «infernal Outro» fundamenta a Democracia. Não é a Constituição que se copia, o modus operandis que se importa, mas a Cultura de ser e de estar perante o «infernal Outro» que existencializa a Democracia. Espera-se, sem ingenuidades, que o pessoal entenda a sabedoria guevariana de «endurecer-se sem perder a ternura». Vale a pena tentar, pois que o mundo não está saudável. O pequeno mundo destas ilhas deve sofrer de hipertensão, de esquizofrenia, essas coisas. De repente, a barra pesa e o bicho pega. E quanto à pergunta do meu pai: «É o planeta que não está bem ou somos nós que agora sabemos de todas as suas mazelas»…os deuses devem estar loucos!

Eis que o dia amanhece azul

Dou o meu modestíssimo contributo para coordenar a edição do livro de um «velho amigo». Aprendo muito em reler os seus textos e apercebo-me que, como nos ensinou Amílcar Cabral em «A Arma da Teoria», importa teorizar sobre a caminhada prática, sendo mister, por motivos de precedência e de providência, conceber a relação, senão mesmo a interacção, dialéctica entre a teoria e a prática. Há uma prática transformacional em Cabo Verde e problematizá-la, com ciência e consciência, tornou-se o desafio do momento. Encanta-me neste livro a visão sobre os desafios do futuro. É de alguém que já leu e matutou profundamente sobre «Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro», de Edgar Morin. Implicitamente, há nestes textos, o aprendizado de uma navegação por um oceano de incertezas para transformar Cabo Verde num arquipélago de certezas. Para que os dias nos amanheçam azuis…

Longeva idade

Gosto, porque me acalma, ficar na quietude (e no arfar) de quem se ama, escutando a vital batida do seu coração. E de pensar como gostaria ela de escutar um poema de Mia Couto. Pode ser esse que, bem sussurrado, reza:

Da velhice
sempre invejei
o adormecer
no meio de conversa.

Esse descer de pálpebra
não é idade nem cansaço.

Fazer da palavra um embalo
é o mais puro e apurado
senso da poesia.

Pensar que o ser humano, este mistério simultaneamente físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico, grande dádiva da Natureza, merece a paz, o amor e a bem-aventurança. Meço a tensão arterial, tomo os meus comprimidinhos e arranco o dia com uma marcha pelo quarteirão, um banho frio e uma banana. Entra-me, sem pedir licença no pensamento, a frase de Freud: «Se decidir parar de fumar, de beber e de fazer amor, na verdade não viverá mais tempo; é a vida que lhe parecerá mais longa». Fumar não recomendava, beber só moderadamente e fazer amor, sendo na quietude (e no arfar), é a terapia da longeva idade. Poesia. Qualidade de vida…