segunda-feira, dezembro 20, 2010

Crónica de Natal

Crónica de Natal

Em tempo de Natal, está-se com a sensibilidade mais desperta, tão desperta e aflorada, que não se consegue fazer uma crónica normal. Ainda que livre, escorreita e navegável, a crónica exige alguma racionalidade e não se confina ao velejar pelo oceano incerto, ora para o sotavento, ora para o barlavento, havendo esse mar azul para o sem porto de alguma chegada. Naturalmente que, tal o pensamento, serei sempre livre para escrever sobre a trivialidade das compras de Natal, como se a natividade de Jesus fosse uma conspiração capitalista em que até os «condenados da terra», mercê do regabofe e da consoada, se empilham na procissão do consumismo. Poderei também, já que o sentimento é mente mais que coração, discorrer sobre a paz, a reforçar, e a fé, que nunca morre, de a campanha eleitoral aí à porta não se resvalar para a crispação, ditame de uma baixíssima política. Não podendo fazer crónica normal, posto haver sempre a tristeza da ausência da minha mãe, estúpida lei da vida alguns não terem mãe pelo Natal, fica daqui para o meu leitorado (menos, Filinto Elísio, muito menos, companheiro) um abraço pela fidelidade e uma certeza de não me terem de aturar, como cronista, em próximo futuro.

Toalha de mesa de Natal

Até o simples halo, suspiro de nada, é poesia,
teu olhar de passagem, coisas assim fugazes,
não precisam ter luz, apenas sombra, que encantam.
Às vezes, é um dizer marginal, teu subtexto somente,
pois o não dito diz tudo, mais que o suposto. É cotovia
pelo modo que canta e pela moda que voa, seu esvoaçar.
Outras vezes, é vento que bole, tão breve que leve a folha.

Nuance de vinho na rolha, a telha, grená, de argilosa,
tanta lembrança que lhe trança o linho, toalha de mesa
eis o Natal agora sem ti ao brilho desta Árvore,
e ao que te soletraria perdido, em lágrima, poesia!

Em tempo de campanha

Leio, com indignação, o que um jornal nos permite só porque estamos «em tempo de campanha». Em democracia, a imprensa é livre, mas não pode tudo. Nenhum poder pode tudo, aliás. Até o Parlamento se incorre à dissolução e o Presidente ao «impeachment», bem como o juiz pode ser julgado. Só em regime fascista e/ou totalitário aparece uma imprensa (próxima aos «iluminados») sem limites. Ademais, sem uma imprensa voltada à formação de opinião, capaz de fornecer informação confiável e comentário preciso, o próprio Estado democrático pode acabar avariado, escreveu o filósofo alemão Jürgen Habermas. Afora a «boutade» dessa pasquinada em formato de jornal, e já agora não se deveria também permitir campanha eleitoral, com carro de som (que não pode tudo, carago), à porta da Maternidade, o Natal vai entrando e se entranhando aqui aos poucos.
Personalidade do ano

Um dos disparates (e não são poucos) da imprensa é escolher, nesta altura, as personalidades do ano. Pior do que isso, só certas condecorações em que os medíocres distribuem o «faz de conta» em detrimento do real mérito. Entrementes, este ano, igualmente por estarmos em tal tempo, não se melindre a airosinha CNE, a imprensa não deveria escolher fulano, beltrano ou sicrano para o «faz de conta», até porque a personalidade do ano parece ser claramente Julian Assenge, com o seu blog Wikileaks. Os vazamentos de documentos confidenciais, não só revelam os meandros de como se enformam decisões, como informam à nova sociedade civil global sobre as teias urdidas neste mundo, em que nunca Maquiavel foi tão actual.