segunda-feira, dezembro 06, 2010

INFERNAL OUTRO: ESSE MISTÉRIO


«Tenho o micróbio da liberdade e da escolha ardendo em minhas veias»
Airton Monte


Céus, que há seca na Amazónia

De vez em quando, vendo o noticiário pela televisão, reparo que o mundo não está saudável. Ao meu lado, o meu pai pergunta: «É o planeta que não está bem ou somos nós que agora sabemos de todas as suas mazelas?». Cogito ser isto e aquilo, as duas coisas. Gilberto Gil, músico e sábio, diria que hoje a Terra é pequena, porque o Mundo tornou-se grande. Nas antípodas, o Mundo antes era pequeno, quando enorme era a Terra. Talvez seja isso. Entrementes, a variável da depredação ambiental terá enfurecido o planeta e a Europa neva antes do tempo, os furacões perdem o seu norte e as enchentes perigam a Austrália. Céus, que há seca na Amazónia! Outrossim, o sistema de informação dos Estados Unidos, como outrora o seu sistema de segurança à fúria do Ben Laden, desmorona-se à «pirataria electrónica» da Wikileakes e já não se entende mais nada. O que afinal se revela é o que todos sabíamos e o que todos os países e estados, dignos do nome, fazem: cuidam da sua «inteligência», dão seguimento à agenda do Outro. E Jean-Paul Sartre ensinava: «O inferno é o Outro». Nada mais evidente e assertivo. Debalde, em Cabo Verde entrámos na corrida eleitoral. Espera-se, sem ilusões, que a disputa pelo voto se faça com lisura, com candura e com responsabilidade. Não que haja razão objectiva para esperar tanto civismo, mas, que diabo, a esperança não morre e, um dia, o pessoal há-de perceber que o «infernal Outro» fundamenta a Democracia. Não é a Constituição que se copia, o modus operandis que se importa, mas a Cultura de ser e de estar perante o «infernal Outro» que existencializa a Democracia. Espera-se, sem ingenuidades, que o pessoal entenda a sabedoria guevariana de «endurecer-se sem perder a ternura». Vale a pena tentar, pois que o mundo não está saudável. O pequeno mundo destas ilhas deve sofrer de hipertensão, de esquizofrenia, essas coisas. De repente, a barra pesa e o bicho pega. E quanto à pergunta do meu pai: «É o planeta que não está bem ou somos nós que agora sabemos de todas as suas mazelas»…os deuses devem estar loucos!

Eis que o dia amanhece azul

Dou o meu modestíssimo contributo para coordenar a edição do livro de um «velho amigo». Aprendo muito em reler os seus textos e apercebo-me que, como nos ensinou Amílcar Cabral em «A Arma da Teoria», importa teorizar sobre a caminhada prática, sendo mister, por motivos de precedência e de providência, conceber a relação, senão mesmo a interacção, dialéctica entre a teoria e a prática. Há uma prática transformacional em Cabo Verde e problematizá-la, com ciência e consciência, tornou-se o desafio do momento. Encanta-me neste livro a visão sobre os desafios do futuro. É de alguém que já leu e matutou profundamente sobre «Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro», de Edgar Morin. Implicitamente, há nestes textos, o aprendizado de uma navegação por um oceano de incertezas para transformar Cabo Verde num arquipélago de certezas. Para que os dias nos amanheçam azuis…

Longeva idade

Gosto, porque me acalma, ficar na quietude (e no arfar) de quem se ama, escutando a vital batida do seu coração. E de pensar como gostaria ela de escutar um poema de Mia Couto. Pode ser esse que, bem sussurrado, reza:

Da velhice
sempre invejei
o adormecer
no meio de conversa.

Esse descer de pálpebra
não é idade nem cansaço.

Fazer da palavra um embalo
é o mais puro e apurado
senso da poesia.

Pensar que o ser humano, este mistério simultaneamente físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico, grande dádiva da Natureza, merece a paz, o amor e a bem-aventurança. Meço a tensão arterial, tomo os meus comprimidinhos e arranco o dia com uma marcha pelo quarteirão, um banho frio e uma banana. Entra-me, sem pedir licença no pensamento, a frase de Freud: «Se decidir parar de fumar, de beber e de fazer amor, na verdade não viverá mais tempo; é a vida que lhe parecerá mais longa». Fumar não recomendava, beber só moderadamente e fazer amor, sendo na quietude (e no arfar), é a terapia da longeva idade. Poesia. Qualidade de vida…