segunda-feira, março 21, 2011

De estarmos em Março

Japão

Há que vocalizar, em tempo mais que preciso, o nosso sentir da catástrofe. Sublinhando, naturalmente, o lento regresso à normalidade, já que o infortúnio não é eterno a pairar sobre o Mundo. Primeiro, o terramoto. Depois, o maremoto (virou moda chamar-se-lhe tsunami). E, puro coice na queda, o risco de contaminação nuclear. Perante tudo isso, tão grande a nossa admiração quão total a nossa solidariedade pelo povo japonês. O estoicismo, a disciplina e a ética colectiva. A religiosidade aprumada do fazer coisas com esmero. Essa outra coisa, diferente e apartada, dir-se-ia ideograma de um mundo complexo, mas que se estampa em frágil seda e se rendilha com aparada linha. Qualquer som de gongo que, do seu vibrar longínquo, faz voar a mais ágil borboleta à porta do templo. Por um instante, não se pense o Japão industrial, portentoso e trepidante. O Japão competitivo e imperial. O Japão omnipotente é outro e tem cara pesada. Biombo de bambu, fresca brisa sobre as flores de tangerina. Sente-se o Japão da ágil, mas também frágil, borboleta.

Dia Mundial da Poesia

A Poesia não deveria ter ‘dia mundial’, essas coisas que, tornadas efemérides, geram obrigações, compromissos, politiquices, o que se sabe. A Poesia deveria ser solta, desabrida, vadia, puro tesão, mesmo que ruborize faces encalhadas dos dias estabelecidos. Que subverta os valores, troque os dias pelas noites e os Vês pelos Bês. Que pule a cerca e se evada destes campos fechados e que concentram a mediocridade dos poderes. Qual ‘dia mundial’! Todos os dias são dia mundial da poesia, ora. Continuem os poetas a carpir o sal dos dias que lhes carcome a pele e lhes cinzela o coração de quase nada. Continuem eles, tal como o albatroz descrito por Charles de Baudelaire, a serem, à vista longínqua, príncipes das nuvens e, à proximidade rasca da canalha, feios e trôpegos seres. Continuem eles ‘altos atletas da mágoa’, assim benquistos pelo nosso José Luís Tavares, esses livres, libertinos e o que mais queiram vocês que aturam seus dislates.

Mário Lúcio Sousa

Saúdo, com amizade e confiança, Mário Lúcio Sousa, poeta, dramaturgo, músico, artista plástico e activista cultural, ora tornado Ministro da Cultura. Antes de mais, o meu regozijo pelo retorno à autonomização da Cultura na orgânica governativa, porque, tal como o vaticínio de Pêro Vaz de Caminha a reportar ao Rei de Portugal a ‘descoberta’ do Brasil, a Cultura Cabo-verdiana se plantada, dá. Depois, o meu regozijo puro e duro pela escolha de um intelectual arguto, sereno e bem relacionado com Cabo Verde e o Mundo para assumir o cargo numa hora em que se nos impedem desafios da integração global e da afinação pelos nunca dantes navegados mares do Desenvolvimento. Um país não se mede apenas pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mas tambem pelo produto não bruto (e quase sempre imaterial), que amiude vamos produzindo com as nossas almas. Haja sementeira!

Nota: Por razões ponderosas, a ver com encargos outros, nem sempre compatíveis com o estarmos ‘em crónica’, são estas as últimas notas do K Magazine. Devo, neste momento, agradecer a todos quantos de alguma forma deram atenção a estes escritos. Foram centenas de crónicas, tantas que, em cuidada selecção e revisão, poderão tornar-se em livro. Ficarei com saudades do meu ‘vizinho’ Daniel Medina, confrade com o qual venho dividindo a página do jornal A Nação. Vou ler os seus textos sempre com agrado e balbuciar que o modo vale mais que a moda. Igualmente, agradeço de coração os que labutam neste semanário e, na pessoa de Alexandre Semedo, dou um abraço a cada um. Finda o primeiro acto. Não tarda o abrir do pano para o segundo acto. Ou não estaríamos em Março, mês do Teatro…

segunda-feira, março 14, 2011

No ovo desta manhã, companheiros

Das tais sintaxes (para o amigo Fausto do Rosário)

Dedica-me (a mim e ao amigo Brito Semedo) uma meia crónica o (também amigo) Fausto do Rosário. Delicia-me a pena solta deste confrade que ora, pelo Facebook, louvando o Carnaval de São Filipe, vez por outra, dá sinais de cidadão atento de a República ter seus erros e desvios. Corre-lhe quiçá nas veias um pingo de sangue do sempre necessário Pedro Monteiro Cardoso. Latejam-lhe nas têmporas a irreverência e o aguçado sentido de busca de António Carreira. E cinzela-lhe a mão quem sabe se do âmago pressentido de Henrique Teixeira de Sousa. Tem-nos bem presentes outros nomes que não só os da portentosa ilha do Fogo, mas de cantos outros das afortunadas, tais lhe douram o espírito aqueles de Eugénio Tavares, Baltazar Lopes da Silva e Amílcar Cabral, homens maiúsculos no dizer de Mário Fonseca, saudoso amigo comum. Fonseca, se me permitem, o mais ‘turbulent oiseau’ da moderna intelectualidade cabo-verdiana. Entrementes, falava-nos Fausto do Rosário do Cinema, dos filmes que fizeram a nossa infância e a nossa adolescência. Pois ali, em tempo ulterior (ontológico mais que algum outro), a assistir o Cidadão Kane (oh, quase eterno Orson Wells) à sua hora derradeira sem a magnitude que a narrativa, em retrospecto, nos balbucia: ‘Rosebud’. Apenas isso…a sua última palavra!

Tragédia no Japão

O que acontece agora no Japão – pura natureza que, ciclicamente, se impõe aos homens – é dantesco e triste. Fatalidade ou tragédia? Fazem relativizar a vida e a morte. Faz pensar naquela canção de Caetano Veloso em que ‘a vida não é mais do que um acto de ficar no ar/ antes de mergulhar’. Faz pensar que não devíamos brigar uns com os outros, nem devíamos deixar de nos abraçarmos. Quando uma onda gigante, quase do tamanho do fim do mundo, invade a praia…o que somos afinal? Quando a terra treme e as torres brutamontes do império são apenas a concupiscência do poder e do dinheiro…não seremos também a ruína em nós próprios? O mesmo drama que percorreu o Haiti no ano passado. A tragédia em geografia, nas suas coordenadas de latitude e de longitude, e, sobretudo, no seu pulsar dentro de cada um de nós. De que vale criminalizarmos os sapientes que, por sua fala e veredicto, é inútil e onerosa a classe dirigente? De que vale fazermos revoluções, contra-revoluções, anarquias e outras tropelias dignas dos visigodos se, de repente, um tsunami reduz tudo à morte de um ápice? De que vale sermos reis no carnaval de passagem, sendo a vida dois dias e, mesmo isso, contingente como se vê por aí? Dantesco e triste, tanto sofrimento. Brutal e orgíaca, não deixando de ser perversamente irónica, uma eventual fuga radioactiva no Japão. Radioactividade sobre o país do sol nascente? Em Agosto de 1945, o mundo estremecera com uma espécie de sol perverso e desumano, incinerando e pulverizando tudo – a bomba atómica sobre Hiroshima. Contrariamente à fatalidade destes dias, que a todos faz repensar a vida, aquilo fora a maior tragédia da humanidade. Da desumanidade, queria eu enfatizar.

Da Esperança

Olhemo-nos ao espelho, companheiros. Olhemo-nos demorada e silenciosamente ao espelho, companheiros. Olhemo-nos introspectivamente ao espelho. Perscrutemos, nas nossas rugas, os sulcos daninhos com que os outros se entregaram aos dias. Vejamos que afinal temos a sensação rasca dos comuns e que, lá por estarmos no altar, nada portamos de santo. Sintamos cá dentro as nossas misérias, colhamos, de profundis, a nossa estação do inferno. Mil vezes saibamos a grandeza de esconjurar a ganância, o desmedido poder de dispor e de indispor, e a real solidão que é do mais alto andor. Saibamos vomitar, mercê da náusea que se nos afronta. Saibamos recusar o prato feito, o ‘doce que só a mim me dais’, saibamos sentir o pão que o diabo amassou. Olhemo-nos ao espelho, companheiros. Já Einstein dizia que mais fácil destruir o átomo que o preconceito. O primeiro, é uma questão de ciência e, o segundo, uma questão de consciência. Olhemo-nos demorada e silenciosamente ao espelho, companheiros. Para a ciência do átomo e a consciência de derrubar o preconceito. Para a relativização de tudo, tudo, tudíssimo. Olhemo-nos introspectivamente ao espelho. Para a desintegração da barbárie nossa. Para a inversão do ímpeto de matarmos, no ovo desta manhã, a Esperança…

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Hominem te memento

Crónica

Não sei, em nome de que santo ou por que penitência devo escrever estas mais que previsíveis crónicas semanalmente. Quase sempre estou cansado de inventar histórias e de me armar em coisa alguma, quando o sol se põe no mesmo lugar e a mulher que passa é encantadora seja na estação das mangas ou na das goiabas. Exausto de ouvir senhores doutores a falarem das vantagens competitivas e das vantagens comparativas e depois se fazerem de deuses, ainda que tristes deuses destas pobres esquinas. Estou hoje com uma nóia daquelas. Com a porra louca, como diria o Pranchinha. Acordo filosófico e estranho, com vontade de comer arroz de atum e ler uma história de crianças, mas, por razões que o diabo explicará, terei de terminar a crónica e entregá-la a tempo, eu que, na encarnação anterior, joguei no Benfica ou algo do tipo. Desesperado com a hipocrisia que cerca tudo, inclusive o santo no altar, penso num verso de Sá Carneiro que, se entrevia na morte ajaezada e à andaluza, por força indo de burro. Agora penso, logo existo, que merda. Todo o homem, mesmo o mais esquecido e marginal, ao morrer tem direito à lapidar frase: saio de cena para entrar na história! O viajar desta para melhor é nunca mais ver a Mayra Andrade a cantar «Tunuca», de Orlando Pantera? Havendo vida doutro lado pode-se beber um tinto com Franz Kafka ou degustar uma rabanada com Charles de Baudelaire? Tomarei absinto com Jorge Luís Borges? Poderei novamente dormitar no colo da minha mãe? Ou não havendo nada disso se desfaz em pó, em alquimia igual à que se impõe aos mauzões da vida?

Em degradante…hominem

Leio, com indignação, a forma desumana, fascista e facínora com que as autoridades reprimem uma manifestação em Tripoli. Por mim, viria a casa abaixo e instaurava-se o regime dos direitos, das liberdades e das garantias. Cada Povo tem o seu tempo histórico e faz cair, ao seu momento, muros e torres. Novas Trombetas de Jericó fazem ruir compactas ditaduras, quer no faraónico Egipto, quer na Líbia ardente. E um pouco por toda a parte, dir-se-ia em revivalismo do fim da guerra fria, os poderes degradam-se e tornam-se mais frágeis. Ainda bem que assim seja…

Crónica ainda

Mais do que para quê escrever, a questão palpitante vasculha-se no porquê de o fazer. Não pretendam simplificar as coisas que isto se recusa á sintaxe de puro desejo e, mesmo à elástica semântica da palavra, ele se lhe rebela ficar pela rama. Escrever? Fosse eu, bem mais jovem, belo Apolo ou algo afim, macho em mais intenso cio, voraz em jet sky ou macio em asa delta, em que viés ou porque cargas de água escrever crónicas? Fosse este que vos anda a maçar semanalmente com citações de Cícero e do vagabundo de esquina um príncipe, um pequeno príncipe, mesmo não sendo de Saint Exuspéry, não se exasperaria perante o verbo, estranha vindima pela estação das uvas soltas? Mil vezes, ficar parado e contemplativo (afinal é o vulcão esse portentoso), totalmente esquecido no silêncio da Chã das Caldeiras. Tertuliano preparava-se para falar á imprensa; de repente, o meu amigo estava na televisão, cercado por uma floresta de repórteres, microfones, câmaras, as luzes dos flashes brilhando no momento único. Feliz de cansaço merecido e compensado. Ciente de ser a vida breve e a glória leve. Jorge, meu amigo, gosto da frase latina: réspice post te! Hominem te memento!



terça-feira, fevereiro 15, 2011

Trancosos

Uma questão de método

Nada tenho contra o método de Hondt, que sempre ajusta a minoria contra a tentação «tsunâmica» de quem ganha. Mas devo dizer que o método provou falho e alienador da cidadania nestas últimas eleições legislativas. Em verdade, o erro nem está no método. Está na sua aplicação tout court em cima da reforma eleitoral, em que os círculos eleitorais decalcados em concelhos/municípios passaram a ser círculos de ilhas, à excepção de Santiago, rachado ao meio – norte e sul. O caso do Fogo, a melhor vitória eleitoral absoluta do PAICV, acabou por ser relativizado pelos mandatos que fixou (3 a 2) sobre o MpD. Contas feitas, bem feitinhas, revelam que os tambarinas conseguiram mais 4.306 votos que os ventoinhas na ilha do vulcão, destes 1.902 não contaram na determinação de mandatos. Neste mesmo arquipélago e no quadro das mesmas eleições, o partido de Carlos Veiga consegui (2 a 1) sobre o partido de José Maria Neves, na ilha do Sal, com um diferencial de escassos 78 votos. Se a base da democracia reside no voto expresso de cada um, os dois exemplos provam que algo não vai bem e que precisamos mudar de método. Sejamos claros e corajosos; sejamos conscientes em relação à cidadania: este método Hondt em cima da dita reforma, por sinal constitucionalizada, provou-se empobrecedor do processo eleitoral. Quelle honte!

Método_logia

Lá por isso, não defenderia o sistema absoluto. O ganhador toma tudo e seus afluentes, assim não dá. Ficava-se sob o risco da tirania da maioria, aliás contraproducente como diria Lani Guinier. Um amigo, despeitado por ter perdido as eleições, disse há dias que o nosso sistema está falido e que era momento de olhar para o sistema eleitoral americano. Fiz-lhe saber que a nossa constitucionalidade era outra. Diferente. Com méritos apartados daquele, com devido respeito. Qualquer dia traremos Rebelo de Sousa para dar «doutas lições» sobre este particular, já que a parvónia o aplaude de pé, para a náusea geral. Fosse, entretanto, em método absoluto, haveria nestas eleições um partido reduzido a 7 deputados (3 no Sal, 2 em São Nicolau e 2 no Maio)…aí era de facto um Deus nos acuda!

Outra história do Trancoso

Não é porque a parvónia já parece a história do Trancoso, mas porque nascer aqui e viver por cá, entre discursos caudalosos e histerias intelectuais das gabrielas, dispensa qualquer imitação ou pastiche de filme de Frederico Fellini. O nosso pátrio eleitorado acabou por dizer da sua justiça e, em passe de mágica, metade dos outdoors desapareceu das ruas. Não foi abacadabra para qualquer, mas algo digno da mui irreverente personagem que, em tempos mais recuados, deu de entrar nos meus pobres textos. Adivinhem que dou um doce. Caracterizando os sujeitos, com os seus predicados todos, eis que vos faço o «respectivo enquadramento». O Pranchina (de baptismo se apelidava Nené Prancha), era daqueles que só aparece de raro em raro, no caso um em dois milhões, significando, pela probabilidade, não haver mais desses em Cabo Verde. Profeta de papel passado e cidadão mal destinado. Mau das oiças, teimoso que nem uma porta, o seu desporto radical era se meter com gente grande e poderosa. Fazendo crónicas, ora furtivas, ora burlescas, entrepondo-se quase sempre no meio de crise política, de briga por mulherio ou de decisão de penalty, o Pranchina (artigo definido, devido à nossa intimidade) não tinha hora para aparecer, nem hora para dar a milha. A última do infeliz é insistir que a Escola do Turismo e Hoteleira está bem-posta e, já agora, composta e de que maneira na Menina do Mar. Ademais, acha que a iluminação da pedonal faz a capital parecer Londres, intensa e a nevoenta é a luz dos ditos painéis solares. Só lhe falta Jack, o Estripador, para isto ficar chispe, chique e foggy. Tanto esforço para o fiasco eleitoral. E as aves de rapina arribadas do reino que tantos comensais arrasaram nos melhores restaurantes da cidade que nos une? E esta? Aqui del rei, acadiré, cruz com a cadeira, etc e tal. Resignando à vontade divina, mas rebelando sempre à desfaçatez humana, a personagem continua de pouco pé no chão e de muito planar na lua. Entre o chão de massapé e assaz esvoaçar lunante, o cronista escolheria este a aquele. Já não se fazem mais desses na parvónia! Fui…

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Rio em seu rito

Do rio e do seu rito

Percorre-nos uma espécie de rio, que não será linear, nem em toda a pressa, de margens ora estreitadas, ora alargadas, mas sempre em seu rito, em que dirás ser História (e nós dentro dela) pelo vector dito por Marx e eu ousaria ser dialéctica mais maluca do que a pensada; percorre-nos, não apenas o sangue que se desagua no estuário da morte, mas a vida que, sendo tal desvario, nos torna navegadores até do nada, cientes de sermos uma simples gota de água. Frágil borbulha nessa enxurrada. Pequena borbulha, aluvião de passagem. Uma coisa estranha, pequena de tão tamanha e grande pelo modo que entranha. Rio em seu rito…

Indícios do tempo

Eleições feitas, crispações desfeitas. Amizades repostas. Mãos à obra, pessoal. Escolheu-se uma nova composição parlamentar e, em consequência desta nova legislatura, um novo Governo. Agora é hora de trabalhar, trabalhar, trabalhar. Cabo Verde precisa de bom governo e de boa oposição. Para ambos, é tempo de muda. José Maria Neves, político visionário e arguto, saberá que, para umas coisas, «mesti manti» e que, para outras, «mesti muda», sendo a democracia um espaço de intervenção de todos e para todos. Mais do que governar para as pessoas, Neves terá de governar com as pessoas, introduzindo inovações sociais, económicas e políticas. Não podem os partidos políticos açambarcar (e muito menos, monopolizar) a política, nem devem sonegar à sociedade civil o debate sobre o futuro. Mais Cabo Verde, que é o caminho a seguir, terá de ser gizado em debate alargado. Estamos prontos…

Do assentar da poeira

Depois da poeira assente, o que se deseja afinal senão a democracia, a equidade e a justiça social, a paz e a harmonia com o nosso meio ambiente natural – as tais palavras-chaves sendo, por isso, a qualidade de vida para todos? Deseja-se também introduzir um algoritmo nessa coisa colectiva e febril para a optimização individual, sendo esta a parcela que faria o somatório (e a lógica natural) daquela. Deseja-se, amiúde, que cada pessoa veja no processo histórico o seu processo pessoal, sem que tal seja entendido pelos «colectivistas de serviço» como egoísmo ou ilegitimidade. Deseja-se, como diria Edgar Morin, uma clara ecologia da acção. Haja ousadia e ambição…

Crónica mutante

Qual a crónica certeira para os tempos que são novos? Quais as novas respostas para quem, pela vida, só soube navegar na escrita? Continuar a reportar o ramerrame e repetir semanalmente aos leitores assaz sentimento? Ou derramar palavras como quem joga pedra às ondas e delas esperar a vaga mais furibunda e avassaladora? Serão verbos metaforizados esta busca de um discurso coerente e louco? Os mesmos ficarão condicionados pelo recente furor eleitoral? O cronista prepara-se, com armas e bagagens para sair da cena e, em assaz contagem decrescente, quer ele partir para novas aventuras estéticas. Pode? Pode sim e tão livre quão bíblico lhe continua o arbítrio…

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Mais Cabo Verde

Creiam, meus amigos, que o meu voto é pensado, ponderado e gizado. Com alguma parcimónia. Não será jamais um voto derramado no calor da emoção, nem aquele embriagado pelo carnaval da política. Fosse isto apenas para «animar a malta», acreditem que não faria este post. Procuro, no meu profundo dilema de Poeta, eleger um projecto que mais se aproxima ao Cabo Verde dos meus sonhos. Não me permitiria ao Cabo Verde dos meus pesadelos. Como diria Caetano Veloso: «Respeito muito minhas lágrimas». Um caso apenas: há dias, assisti, com profunda indignação, a grosseira ingerência do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa em tempo de antena de responsabilidade partidária a dizer aos Cabo-verdianos em quem votar. Fiquei chocado e enojado. Um festival de desamor à soberania de Cabo Verde e de falta de decoro para com os Cabo-verdianos. Por conseguinte, o meu voto é coerente e consequente. Quero mais Cultura, mais Desenvolvimento Sustentável, mais Estado Social e Mais Nação Global Cabo-verdiana. Mais SOBERANIA. Mais Cabo Verde. Votarei em José Maria Neves, no dia 6 de Fevereiro!




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terça-feira, fevereiro 01, 2011

A gostar do pôr-do-sol

De uma não garantia

Não garanto poder escrever estas crónicas por muito tempo. Primo, elas já cansam a mim e aos leitores. Ser um gajo chato é o que detestava, meus caros. Depois, já há novos cronistas na praça, melhores e mais assertivos, nestes tempos de iPad. Ainda, porque um homem, já aos cinquenta, precisa fechar-se em balanço e escrever coisas de monta e de mais transcendência. Finalmente, o mundo sendo isso, não é isto e o tempo, sendo agora, pode nem ser aqui. Por ora, não garanto continuar por muito tempo. A única certeza (ou se calhar nem isso, ora bolas): ser a terra, um paradoxo às voltas. Continuo a gostar do pôr-do-sol, juro. Continuo também a chorar pelas madrugadas, palavra. E a ter espasmos de emoção quando o texto é Pessoa, acreditem. Já nem falo de amar, já que o amor, tal qual o oxigénio para respirar, é que nos tem a suspirar. Qualquer dia saio por aí a disparar…poesia, naturalmente.

Manifesto apoio

Assinei, com mais de cem outros artistas e criadores, um Manifesto de Apoio a José Maria Neves. Democracia é podermos livremente escolher quem apoiamos. Naturalmente que o meu voto é íntimo, secreto e sagrado. Mas a minha escolha é pública, aberta e consequente. Quero, que se mantenha na governação, alguém com um portfolio de realização invejável e com uma capacidade real para aprofundar a transformação de Cabo Verde. Não entro aqui no que foi feito ou não foi feito ainda no sector da Cultura. Até porque o meu apoio nunca seria cego e acrítico. Jamais seria militante incondicional de nada, como não poderia ser devoto e beato, quase besta, de joelhos pelos altares. Tão pouco faria vénias, mesuras, simpatias de carregar pastas ao patrão, essas coisas de tanso. O meu apoio é consequente, comparativo e consciente. De quem se afina num projecto maior, não tanto pela rama e pela fisiologia partidária, de que transformar Cabo Verde (bem à glosa de Amílcar Cabral) seja um acto de Cultura. Nessa linha, José Maria Neves sabe ao que veio: ser esse «simples africano» e fazer de Cabo Verde esta coisa um pouco mais respeitável, soberana e digna. Pessoalmente, sinto algum engulho no estômago por essa subserviência neocolonial e patusca de certa gente. Por isso, culturalmente vai o meu grande abraço, de simples cidadão, para José Maria Neves!

Deus nos guarde dos guardas

Arre, que não há nada mais eficaz para acabar com uma utopia do que ver a guarda municipal, bem fardada e de cassetete (mas para quê se a função era de coimar apenas?), a enxotar vendedores ambulantes pelas ruas nas barbas caras dos cambistas do euro, do dólar, do franco suíço e do que mais queiram. O porquê de se enxotar uns e de permitir outros arrasa qualquer quimera. Arre, que não há nada que revolta tanto como o abuso e a discriminação. Transigência para uns e intransigência para outros em plena Avenida Amílcar Cabral. Constatar que o dito cujo, a fazer as vezes de um polícia mesmo à sério, já vem instruído para sorrir a estes (os do mercado negro) e para dar caça a aqueles (os do mercado informal). Estaremos perante o indício de uma nova ordem que determina quais os ambulantes aceitos? Ou apenas de uma desordem ainda tímida, impondo regras de iniquidade à cidade? Não que me desgoste a fiscalização mais intensa e sistemática das boas práticas nesta autarquia ainda a ser (vagarosa e socialmente) municipal. Nem que me arrepie a reafirmação da postura municipal, instaurada entre os fundamentais da cidadania local. Mas uma coisa é postura, outra a impostura. Por isso, enxotar a todos ou a ninguém nos passeios do Plateau. Arre, que as milícias de camisas castanhas (essas merdices paramilitares), noutro local e noutro tempo, assim começaram a esboçar a «orgia do poder» …