terça-feira, fevereiro 22, 2011

Hominem te memento

Crónica

Não sei, em nome de que santo ou por que penitência devo escrever estas mais que previsíveis crónicas semanalmente. Quase sempre estou cansado de inventar histórias e de me armar em coisa alguma, quando o sol se põe no mesmo lugar e a mulher que passa é encantadora seja na estação das mangas ou na das goiabas. Exausto de ouvir senhores doutores a falarem das vantagens competitivas e das vantagens comparativas e depois se fazerem de deuses, ainda que tristes deuses destas pobres esquinas. Estou hoje com uma nóia daquelas. Com a porra louca, como diria o Pranchinha. Acordo filosófico e estranho, com vontade de comer arroz de atum e ler uma história de crianças, mas, por razões que o diabo explicará, terei de terminar a crónica e entregá-la a tempo, eu que, na encarnação anterior, joguei no Benfica ou algo do tipo. Desesperado com a hipocrisia que cerca tudo, inclusive o santo no altar, penso num verso de Sá Carneiro que, se entrevia na morte ajaezada e à andaluza, por força indo de burro. Agora penso, logo existo, que merda. Todo o homem, mesmo o mais esquecido e marginal, ao morrer tem direito à lapidar frase: saio de cena para entrar na história! O viajar desta para melhor é nunca mais ver a Mayra Andrade a cantar «Tunuca», de Orlando Pantera? Havendo vida doutro lado pode-se beber um tinto com Franz Kafka ou degustar uma rabanada com Charles de Baudelaire? Tomarei absinto com Jorge Luís Borges? Poderei novamente dormitar no colo da minha mãe? Ou não havendo nada disso se desfaz em pó, em alquimia igual à que se impõe aos mauzões da vida?

Em degradante…hominem

Leio, com indignação, a forma desumana, fascista e facínora com que as autoridades reprimem uma manifestação em Tripoli. Por mim, viria a casa abaixo e instaurava-se o regime dos direitos, das liberdades e das garantias. Cada Povo tem o seu tempo histórico e faz cair, ao seu momento, muros e torres. Novas Trombetas de Jericó fazem ruir compactas ditaduras, quer no faraónico Egipto, quer na Líbia ardente. E um pouco por toda a parte, dir-se-ia em revivalismo do fim da guerra fria, os poderes degradam-se e tornam-se mais frágeis. Ainda bem que assim seja…

Crónica ainda

Mais do que para quê escrever, a questão palpitante vasculha-se no porquê de o fazer. Não pretendam simplificar as coisas que isto se recusa á sintaxe de puro desejo e, mesmo à elástica semântica da palavra, ele se lhe rebela ficar pela rama. Escrever? Fosse eu, bem mais jovem, belo Apolo ou algo afim, macho em mais intenso cio, voraz em jet sky ou macio em asa delta, em que viés ou porque cargas de água escrever crónicas? Fosse este que vos anda a maçar semanalmente com citações de Cícero e do vagabundo de esquina um príncipe, um pequeno príncipe, mesmo não sendo de Saint Exuspéry, não se exasperaria perante o verbo, estranha vindima pela estação das uvas soltas? Mil vezes, ficar parado e contemplativo (afinal é o vulcão esse portentoso), totalmente esquecido no silêncio da Chã das Caldeiras. Tertuliano preparava-se para falar á imprensa; de repente, o meu amigo estava na televisão, cercado por uma floresta de repórteres, microfones, câmaras, as luzes dos flashes brilhando no momento único. Feliz de cansaço merecido e compensado. Ciente de ser a vida breve e a glória leve. Jorge, meu amigo, gosto da frase latina: réspice post te! Hominem te memento!