terça-feira, fevereiro 01, 2011

A gostar do pôr-do-sol

De uma não garantia

Não garanto poder escrever estas crónicas por muito tempo. Primo, elas já cansam a mim e aos leitores. Ser um gajo chato é o que detestava, meus caros. Depois, já há novos cronistas na praça, melhores e mais assertivos, nestes tempos de iPad. Ainda, porque um homem, já aos cinquenta, precisa fechar-se em balanço e escrever coisas de monta e de mais transcendência. Finalmente, o mundo sendo isso, não é isto e o tempo, sendo agora, pode nem ser aqui. Por ora, não garanto continuar por muito tempo. A única certeza (ou se calhar nem isso, ora bolas): ser a terra, um paradoxo às voltas. Continuo a gostar do pôr-do-sol, juro. Continuo também a chorar pelas madrugadas, palavra. E a ter espasmos de emoção quando o texto é Pessoa, acreditem. Já nem falo de amar, já que o amor, tal qual o oxigénio para respirar, é que nos tem a suspirar. Qualquer dia saio por aí a disparar…poesia, naturalmente.

Manifesto apoio

Assinei, com mais de cem outros artistas e criadores, um Manifesto de Apoio a José Maria Neves. Democracia é podermos livremente escolher quem apoiamos. Naturalmente que o meu voto é íntimo, secreto e sagrado. Mas a minha escolha é pública, aberta e consequente. Quero, que se mantenha na governação, alguém com um portfolio de realização invejável e com uma capacidade real para aprofundar a transformação de Cabo Verde. Não entro aqui no que foi feito ou não foi feito ainda no sector da Cultura. Até porque o meu apoio nunca seria cego e acrítico. Jamais seria militante incondicional de nada, como não poderia ser devoto e beato, quase besta, de joelhos pelos altares. Tão pouco faria vénias, mesuras, simpatias de carregar pastas ao patrão, essas coisas de tanso. O meu apoio é consequente, comparativo e consciente. De quem se afina num projecto maior, não tanto pela rama e pela fisiologia partidária, de que transformar Cabo Verde (bem à glosa de Amílcar Cabral) seja um acto de Cultura. Nessa linha, José Maria Neves sabe ao que veio: ser esse «simples africano» e fazer de Cabo Verde esta coisa um pouco mais respeitável, soberana e digna. Pessoalmente, sinto algum engulho no estômago por essa subserviência neocolonial e patusca de certa gente. Por isso, culturalmente vai o meu grande abraço, de simples cidadão, para José Maria Neves!

Deus nos guarde dos guardas

Arre, que não há nada mais eficaz para acabar com uma utopia do que ver a guarda municipal, bem fardada e de cassetete (mas para quê se a função era de coimar apenas?), a enxotar vendedores ambulantes pelas ruas nas barbas caras dos cambistas do euro, do dólar, do franco suíço e do que mais queiram. O porquê de se enxotar uns e de permitir outros arrasa qualquer quimera. Arre, que não há nada que revolta tanto como o abuso e a discriminação. Transigência para uns e intransigência para outros em plena Avenida Amílcar Cabral. Constatar que o dito cujo, a fazer as vezes de um polícia mesmo à sério, já vem instruído para sorrir a estes (os do mercado negro) e para dar caça a aqueles (os do mercado informal). Estaremos perante o indício de uma nova ordem que determina quais os ambulantes aceitos? Ou apenas de uma desordem ainda tímida, impondo regras de iniquidade à cidade? Não que me desgoste a fiscalização mais intensa e sistemática das boas práticas nesta autarquia ainda a ser (vagarosa e socialmente) municipal. Nem que me arrepie a reafirmação da postura municipal, instaurada entre os fundamentais da cidadania local. Mas uma coisa é postura, outra a impostura. Por isso, enxotar a todos ou a ninguém nos passeios do Plateau. Arre, que as milícias de camisas castanhas (essas merdices paramilitares), noutro local e noutro tempo, assim começaram a esboçar a «orgia do poder» …