quinta-feira, outubro 22, 2009

Nada que suscite estranheza




ISTO, meus senhores, era Eduardo Agualusa: Nunca senti a necessidade absoluta de escrever – como de comer ou de fazer amor. Em verdade, escrever, sendo prazer enorme, não se configura urgente. Nem mesmo uma angústia como se imagina o cigarro para o fumador.


MÁRIO, meu poeta, agora dissecado por analistas, autopsiado por aqueles que, em vida, te achavam irrealista e ingénuo, poeta demais para seres verdade. Agora à mercê do augúrio da política e do tugúrio do café, sorri de onde estejas e ensaia dali a tua sonora gargalhada…


CONFRADES e companheiros, assim falavam os deuses descalços, para a irreversível afirmação da nossa geração literária. Para além de detonar o sistema autoritário vigente, o que nos interessava era fazer literatura conseguida. Sabíamos, de essência e de bandeira, o que nos movia. Mas não nos comprazia o regimento…


PETRÓLEO! - Propala-se por aí. A falácia do “Yes, Petróleo” não me aquece, nem me arrefece. Nos países onde jorra petróleo, sobretudo os da nossa martirizada África, aos povos ninguém lhes gaba a sorte. O dinheiro do petróleo ainda não chegou aos pobres, que eu saiba. É claro que há o exemplo da Noruega. E o indício do Brasil com a pré sal. Mas, são dessas coisas, gente fina é outra loiça…


APETECE-ME dizer este disparate: a identidade está nas escolhas que fazemos. Nas estradas que percorremos. Ela não se confina à nacionalidade, mas aos mundos que vamos construindo. Apetece-me dizer que sou cidadão do Mundo e que meu único endereço fixo é o e-mail. Ei-lo: filintos@gmail.com


QUE te diga mais um disparate? Fosse eu político, estaria disposto a perder eleições. Recentemente, acompanhei de perto um político, por sinal amigo, a perder uma eleição. Vi-o a humanizar-se lentamente, depois disso. A ganhar poesia. E a ser um homem livre. Senti-o subitamente a ganhá-las – não as eleições, outros quinhentos, mas a felicidade. Essa coisa difícil de se descrever.


FIQUEMOS por aqui, não sendo a escrita cigarro para o fumador. Esta é das minhas últimas crónicas para o jornal. Apegado que estou aos meus versos, contos, outros escritos, mal tenho tempo (e serventia) para
escritas mais práticas e semanais. Não farei falta. Se o fizesse, seria de outra maneira. E ai do leitor que sentir saudades. Tais pieguices, como a morabeza, fazem parte da mentira nacional.