domingo, abril 04, 2010

Paradiso



O bilinguismo crioulo

Constitui alguma falácia opor a língua portuguesa à língua cabo-verdiana no universo cultural do povo de Cabo Verde. Em verdade, as duas línguas, ao longo da história, têm feito parte da mesma vivência colectiva, cada uma ocupando o seu espaço próprio e insubstituível, porque complementares na forma de ser e de estar do cabo-verdiano. O crioulo de Cabo Verde, antes de nacional, é língua materna, primeira e veicular de quase todos os cabo-verdianos no espaço intra-nacional, que é uma realidade ensimesmada no arquipélago de Cabo Verde e na vasta diáspora cabo-verdiana. Ela tem sido também a língua da unidade, da coesão e da integração do todo nacional, marcado pela descontinuidade territorial e sociológica, pelas razões apontadas. A língua portuguesa, igualmente para além de nacional, é língua segunda e de projecção internacional. É sexta língua do planeta, falada por cerca de 230 milhões de pessoas, sendo que a lusofonia já conquistou paulatino espaço na arena mundial. Ela é ainda uma língua que em Cabo Verde ganhou enorme dimensão e cultivo, devido à elevada escolarização do País, desde a Independência a esta parte. Em verdade, as duas línguas são complementares e fazem parte indissociável da vida cabo-verdiana, que é bilingue sim, não se configurando este conceito às interpretações de alguns opinion makers, marcadas por desvio à história, à cultura e à ciência, em suma por desconhecimento de causa. Questionar o bilinguismo cabo-verdiano nos moldes feitos, sobretudo na blogosfera, mais não denota que despreparação para um debate que se quer oportuno, importante e producente, susceptível de fazer história, já que, mais cedo ou mais tarde, conducente à sua oficialização constitucional. Tem se falado ainda da falta de condições objectivas para a oficialização da língua cabo-verdiana em coabitação e paridade à língua portuguesa. De que condições objectivas estaremos a referir? A de termos uma língua viva, expressão cultural do povo cabo-verdiano no seu quotidiano e na sua expressão artística? A de sabermos que esta língua tem autonomia e dimensão estrutural em termos da gramática e do léxico, como atestam de resto as peças linguísticas e sociolinguísticas já publicadas, bem como os estudos já elaborados, para além da já significativa obra bibliográfica disponível? Ou a de ter sido cultivada pelo vate dos ilustres como Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, Sérgio Frusoni, Felisberto Vieira Lopes, Arménio Vieira, Cacá Barbosa e, mais recentemente, José Luís Tavares? E cantada, com melodia transbordante, pelos quatro cantos do mundo, por Cesária Évora, Bana, Ildo Lobo, Zeca di Nha Reinalda, Nácia Gomi, Sara Tavares, Tcheka, Mayra Andrade e Beto Dias, entre outros?



De plantão

Na escala cósmica, meu alvorado amigo, alucinado que estais diante da tela luminosa do céu, a nossa grandeza terrena era uma pequeníssima partícula atómica - uma profecia esquecida pelo Criador, chamar-lhe-íamos até, à falta do melhor, Deus, tudo ou nada. Chegaria a ser cómica essa ínfima redução do anil ao firmamento, ser inclusive essa voz diluída dos poetas, mesmo que falasse de amor, apenas lapso e puro acidente. Senão tão-somente frase de efeito para aquiescer a distraída musa na varanda. Diante do plantão de nós próprios, o riso da dúvida entre o fazer apenas e o fazer bem. O que importaria afinal? O imponderável mil que desnorteava o dito bem? Como se empalideceria ele na total insignificância do disforme! Sabeis acaso aquela de Sisifo e da pedra que carregava? De repente, descobríamo-nos neste mundo pequeno e miserável. E não haveria espelho que nos realizasse, pois éramos, se tanto, a fé de um grãozinho de areia, meu imberbe amigo. O universo era um vão, quem sabe um vão infinito. Ou “desinfinito”, como alguém vaticinou. Olhando para o céu, as estrelas e nebulosas giravam nos seus arcos longínquos e silenciosos…



Do cinema

Apanhaste-me literalmente de calças na mão para que eu escrevesse sobre o cinema. Eu nasci sob o signo do cinema. Não porque os meus pais dançavam dentro de casa “Ginger & Fred” (imitando Ginger Rogers e Fred Astaire), mas porque, três meses depois do meu primeiro grito, o meu pai era feito prisioneiro político. O delito que lhe era imputado era, segundo a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), a criação do Cine-Club da Praia. Mas daí escrever sobre o cinema? Tirando os posts de João Branco, de Margarida Fontes, de Tambla e de Matilde, e de César Schofield, poucos são aqueles que escrevem sobre o cinema nestas paragens. Em verdade, ninguém faz crítica de cinema na parvónia. Sou do tempo em que se ia ao cinema, não aos multiplexes de shopping center que tendem a ganhar o mundo (e eu tô por fora, minha Princesa), mas aquele mais pré-histórico onde se poderia chorar, baixinho, em “Milagre de Milão”, de Vittorio de Sica ou rir, também em sussurro, com “O Ditador”, de Charlie Chaplin. Gosto esdrúxulo o meu? Chama-lhe nomes. Sou mais do “Rio Vermelho”, de Howard Hawks, do que “E tudo o Vento Levou”, de Victor Fleming e David Selznick. Bem mais do “Cidadão Kane”, de Orson Welles, que dessa geração fim-de-mundo aficionada em Steven Spielberg, que me não convenceu nem com o “Amistad”. Que o exemplo não se tome por azedume, nem por antipatia, posto que pai de jovem e criança. Que amei “A última ceia”, de Tomás Gutiérrez Alea, diga-se. Amei também “Viridiana”, de Luiz Buñel, assuma-se. Bem como todos – os de Fellini, de Bergman e de Allen. Entrementes, há dias em Lisboa, uma tribo de betinhos, em marcas de roupas, refrigerantes e pipocas, tomou conta do multiplex e arrancava o tal de “Avatar”. Não gostei. Do cheiro a frito que me invadia o filme de James Camerom. Do sorver pela palhinha de algum veneno, dir-se-ia Coca-cola. Sou desse outro tempo, claro está…

Da Bloga

A Bloga, meio incontornável para os escritores mais novos, incluindo os no floreio da idade, é viagem deste pobre mortal. Mas não sem o olhar crítico pela ambivalência que, ao mesmo tempo, acolhe e amplia ciência e esoterismo, talento e incompetência, autoridade e autoritarismo, arte e fraude, tolerância e intolerância, fineza e grosseria, ética e promiscuidade, transparência e anonimato covarde. O que mais espanta são tantos traficantes do ressentimento. Talvez Deus, tudo ou nada queiram que assim seja. Quem sou eu para contrariar?