quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Do Valentino: dizes tu que me sublimas

(Bem, o leitor não precisa do Google Earth, do Serviço de Informação da República ou do mexerico da vizinha para me localizar na esplanada do Café Sofia. Estou aqui sentado diante uma Superbock estupidamente e de uns rissóis de carne, felizmente com a Internet Hi-Fi. Mais triste. Triste de não ter jeito. É justamente aqui que te encontro. Minha deusa mental. Virtual musa. Pois namorar também se pode pelo MSN, pelo Google Buzz e pela telepatia. Ou, então, nem isso. Um cristão pode tão-somente ficar aqui a pastar o nada. Tu dirás, velho tarado, ser colírio para os olhos ver a bunda a passar)



Há longos anos

Em Belo Horizonte, tempos idos de estudante, eu te oferecera um livro de crónicas de Carlos Drummond de Andrade. Fi-lo como se te oferecesse uma Bíblia do amor. Ou, simplesmente, te permitisse espreitar, pela silenciosa fechadura do gozo, o tratado do Kama Sutra. Lembro-me de o livro gritar no frontispício, sendo título que se via, “Boca de Luar”, e remetendo para uma crónica homónima em que o jovem casal briga por uma questão semântica até que Drummond de Andrade, pela prerrogativa do Criador, faz que as duas criaturas terminassem esse texto em beijo. Eu te oferecera tal livro e, caldeado pelo afã da juventude, te escrevera na primeira página interior: “O amor é o combustível que move as nossas vidas”. Coisa do bem, isto de amar…


De couro forrado

Ora, p…já ia dizendo um palavrão. Mas, mercê da minha veneranda admiração pelo verbo, apenas digo ora essa. Ademais, a paz, que também passa pela pacificação verbal, com perdão pela redundância, me impõe certos limites. Indignado, deito a mão à frase de um cronista amigo: “Vós me chutais para lá e para cá, se devo continuar neste serviço, deveis me forrar de couro!”. Estou farto disto. Mas que falta de mistério. Que lençol de lona disfarçado de cetim. Quanta máscara pirosa neste Carnaval. Folia de assaz estirpe, dispenso. Esta lerda me cansa. Porque não Arts and Crafts Movement? Quero que me mates no altar de Vénus. Quero o teu doce, porém mortal veneno. Ou, então, tu que, por vezes me sublimas, diz qual o bálsamo para não morrer de tédio.


Carne assada

Enquanto eu comia, contra toda a recomendação médica, uma carne assada na berma da estrada, tu me fizeste, de chofre, a grande pergunta. Mulherio tem disso. Se tenho ou não namorada? Em verdade, não pude responder à tua pergunta um tanto à queima-roupa, mas ainda assim ensaiei um mais ou menos. Repetiste que tenho sido vezeiro em falar sem dizer nada. Concordei: falar é um dever, mas dizer já é um direito. Não que o teu insinuante olhar me seja indiferente. Nem que eu desvie os olhos quando, pelo fim da tarde, tens os cabelos molhados. Gosto, sim, de mulher com ar chuvoso. Não te sei explicar como é, mas a roupa ensopada ao corpo é quase um pecado original. Ou, pelo menos, um grande pecado. Não me refiro à carne assada. Se o meu médico me visse agora. É cada uma…



(Se não queres ir para a Pasárgada, fica. No bestiário, alguém grita viva ao talento individual e abaixo à mediocridade colectiva. Era lícito escrever sobre amores pretéritos. Sobre o paroquial Dia de São Valentim. Inventar prosa vaporosa, com papel de lustro e urso de pelúcia. Dava até para transferir o post deixado no teu Facebook. Olha que na Pasárgada o pórtico é enfeitado de corações e afeitado de flechas de Cupido. Assim, no tipo art déco. Mando chamar a mãe-d'água, como diria Manuel Bandeira. Só para me contar as histórias. E, quem sabe a banda da bunda também ande por ali?)