quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Silêncio de sol-posto

(Olho longamente o teu rosto. As tuas cicatrizes. Sulcos. Manchas. Outras marcas. Quem sabe, marcos. Momentos. Todo o imposto pelo tempo. Raro o que nele fica como solfejo de belo poema. Tatuagem. Sê-lo é tão avaro que, olhado a milímetro e à lupa, cada poro é verso. Seu reverso também é poema. Olho longamente o teu rosto. E suas aliterações de “t” e assonâncias de “o”, por modo que nele também veja o que Fernando Pessoa descreveria de “silêncio em descida”e eu aqui me atreva que é silêncio de sol posto)







Tremeluz dentro de mim

Sendo tudo treva ou luz absoluta, passa-se o mesmo comigo de me olhar ao espelho e chorar-te muito. Tremeluz dentro de mim uma angústia que tu não sabes. Seja assim o transcrito e eu não me resigno. Que me induza à flor cortada ao meio o dentro de ti. Veja eu tua refinada cor, que sabe à fruta e lembra à gruta. Perscrute, também eu em teu encalço, ao caleidoscópio dos fontenários, das beiras de lago, dos mergulhos no mar e dos banhos de chuva. Troveja, afano do sagrado, o tal anjo cheio de quimeras e das vaporosas montanhas, de tão pródiga natura, entre minerais, entremeadas e searas, os inertes se molham de água. É uma forma de lágrima, pelo que depreendo.



O engodo dos espelhos

Receias envelhecer a olhos desta cidade. Pintas o cabelo de azeviche, amanheces-me de cara mascarada, como um clown, duas rodelas de pepino nos olhos. Demoras ao espelho para que te engane a eternidade. Mas o que se reflecte nos vidros é puro engodo. É a outra dimensão do erro – labirinto e absinto. Aquietar-te que a idade que se entardece, tal como diria Eugénio Tavares em “Bidjiça”, tem o gosto do amor “no devagarinho”. Estirado no lajedo o teu corpo. Releio-te jeunesse adieu jasmin du temps/j’ai respire ton frais parfum, poema de Guillaume Apollinaire. Lá longe, mas perto de onde se alisa o horizonte, um barco leva seus caminhos de proa. E o espírito teu, o que se abstrai desse casulo material, onde é que fica? Leve, desafiando quase a gravidade, uma penugem flutua. Sê-lo-á por acaso? Vagarosamente. Eis o teu rosto para que eu te olhe longamente.


(Olho longamente o teu rosto, insisto. E eu apenas tardo nos decotes que arfam os seios desta noite. Quem te dirá, senão ninguém, quanto demora a minha viagem? Tão pouco saberás de alguém se, para além da nuvem e sua vadiagem, vem de mim este ficar o tempo que tudo se torna cadente estrela nesse céu. De zodíaco nada sei e de cartomante sou um zero à esquerda. Pudesse lançar os búzios sobre os panos coloridos ou jogar os dados sobre a neurasténica mesa do bar. Ia jurar que esse cão de penetrante olhar fora alguém conhecido, ora emigrado na eternidade. Depois de três ou quatro copos, o teu rosto aqui se liquefaz)