segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Só mais um instante


(Dir-se-ia que estamos na arena. Somos gladiadores de César. Somo-lo no coliseu das glórias e temos de exibir a decapitada cabeça do outro para o gáudio da plateia. Dir-se-ia que tudo, nesta cidadela, lembra à tua saudade, entretanto renitente)




Quiseram que o teu pai se ajoelhasse

Mas outro que contasse, maré baixa ou maré cheia. Outro que dissesse, com mais estrela, o topázio que brilha no firmamento de sermos nós próprios. Diante do altar de deus nenhum, que não fosse por ti. Iconoclasta, entraria eu pelo inferno aos pontapés. Ou, se fosse céu, chegava também ali logo a mandar vir. Não porque, em vida, emparelho quartetos e tercetos para distrair o mundo com sonetos. Nem porque, de tanta lida, satirize a ira dos deuses da esquina e da pira louca, quando não desvairada, dos sabidos da praceta. Outro que não eu, mas de mim, qual navegante de passagem, andará pelos bares e botequins desta cidadela. A contar as mágoas e as desventuras…



Essência do luar

Agora, a sério, este teu velho é um cavaleiro andante. Quantas noites fazem nele tantos anos? Quantos sinais de ti guardam esta sua cornucópia? Quantas cores, na panóplia do olhar, são as que se deixam revelar no caleidoscópio? A mim o que me mata é a arrogância dos filhos da Pátria. Eu, amante de marias mil (nenhuma santa e rara virgem, todavia todas cheias de graça), o que me mata é o estertor dos machos em delírio. Esta total falta de zen. E, tal como não sabes, sou um faquir na cruz do promontório e deixo-te, sob um travesseiro de cetim, o alheio plano das minhas viagens…



Enquanto a minha cidadela

Dormita, entre o pesadelo e seu folhetim, e à margem dos rios secos, bem como à salgadura das rias de costas outras, a cidadela, descosendo-se em novos-ricos que ao Estado deram golpe de alparca e fizeram, sob a lei dormente, a lavagem dos dinheiros. Dormita, amiúde esquecida, como as vacas que lhe pastam as áreas verdes das moradias e as áreas dotacionais das suas arestas. Dormita, onça que descansa, enquanto a nuvem, em viagem, lhe empresta atalhos que não valem algum caminho. Ouso dizer da lua cheia, assaz ilusão…



Não que me sacie o mar

Não que me sacie o mar, o marulhar das águas e estas neurastenias vagas, dos mareantes desavindos. Nem que me silencie, de tanto farfalhar no ar, o que me melindra em pássaro, mas afinal apenas nuvem. Espanejada flor, cor que se furta à dor, tenho da ramagem o azo das árvores e o prazo com que, de tuas também tantas musas, fica o sopro de vida no arquétipo de ti. Em verdade: nem isso. O deserto e as dunas, veias que tacteiam a carne e fluem o sangue, lá onde, exangue e lívido, o sermos homens acontece. Em verdade: o que nos apodrece e nos rasteja, tão em desalento quão em ditoso, é o enternecer do poeta - tudo o que lhe alumia o lado de sombra…



Peace and love

Somos carentes da Paz, companheiro. Da Paz social. Da Paz familiar. Da Paz individual. Somos carentes da Paz interior. O animal de nós próprios não se amansa e continua feroz. Nem o amor lhe aquieta, porque o ódio se impregna na outra face da moeda do Ser. Nem a fé lhe reconfigura, porque a descrença e a magma violência fazem ferver os nossos corações. Mas alguém canta, tributando à Iemanjá, o que as cartas, os búzios e os santos dizem. O desmancho em Salvador e o tapete vermelho das rosas nesse mar. Penso, (b) logo existo…






(Mas acho que desisto. O horizonte me mata. Isto aqui não me mata. Nem um bocadinho. Achadas, achadinhas, várzeas, fazendas, praias e gamboas. Já não digo montes, pois que loteados e esventrados, a metáfora da jorra é um desatino anti-poético. Entrementes, esta cidadela é nova: no sujo e no cristalino. Debalde, esta tua saudade renitente…)