domingo, março 28, 2010

O canto do condor

Parvónia, 27 de Março

(Eis que entardece. No chat, confessas a tua ignorância em relação aos versos de Walt Whitman. Eu também adiro à onda Basta Ya. Não se pode ser verdade, sempre a única verdade, desde 1959. A verdade, como em tudo na vida, é relativa e biodegradável. O meu amigo Omar Camilo constrói a exposição fotográfica “Amante Difícil”. Entre o sublime da arte e a angústia da denúncia. O Captain, my Captain…)



Pela Praça do Papa

Deve haver Deus no meio deste circuito, pois estamos nós em tempo de quaresma, e não mo dizes, mas sei que o pensas. Que tudo acaba em Páscoa. Falo para os meus botões, não vá alguém pensar loucura este meu balbuciar sozinho, estando a dez metros do meu pequenote a correr ruidoso pela Praça do Papa e estando do meu primogénito mais distante, por suposto não tão à mão de o afagar agora. Dizia para os meus botões o quanto te pressinto, fogo que também me ardes sem que eu veja, nem vá o diabo tecê-las.

Navio de velas pandas

Deve, sim, haver dedo divino que, no entremeio do profano, saiba acariciar a fronte dos ardentes e lhes aponte, vá lá que de soslaio, uma salvação qualquer. E eu, nesta deriva, como que, de hesitante, me armasse em navio de velas pandas e, em verdade, me faltasse força anímica para também correr até ao frontispício dessa luz. Eis que o Pranchinha, morto e arrefecido, mas em mim sempre armado em super-ego, me aconselha a despir desta coisa existencialista de sofrer, pois são dois dias esta vida e que, afinal, a lida toda é apenas o intervalo de um grande vazio. Apenso ao infinito ou à infinitude da morte, sem que ninguém (por céptico que seja) lhe adivinhe propenso ao regresso. Esse dedo, o tal que aponta para os anjos flutuantes e desponta, da nave à abóbada da capela (haverá retorno, em dimensão mental?), o decrépito da parvónia e digo-te, como diria ao miúdo desbragado que se quer rebelde por modismo, tal qual muitos curiosos de Jah, quem sabe da 13ª tribo, senão dos devotos de Jeová, se desnorteiam entre a rota para a Babilónia e aquela para a Abissínia, mas que sentados, num canto desta praça, tragam baforadas de marijuana.

Mais distante estarás tu

Também mais distante estarás tu, expectante de mim como o estarei certamente de ti, que isso de encontros às vezes nem resulta, mesmo quanto se revela preparada em lençóis de cetim, roupões perfumados, tatuagens ousadas e incensos de Kama Sutra. Ou estando a mesa, como a cama, também posta - champanhe no gelo, rosa no vaso, e à luz de vela acesa. Mais distantes, estaremos, tu e eu, em pensamento. Mas quando resulta, que eu também me fio pelo Álvaro de Campos (meu Pessoa de tantos personas), entoaremos juntos Olhai os lírios do campo...

Do canto do candor

Não sei se és nuvem ou miragem, se me esfumas tão simplesmente no turvar da bruma seca. Nem sabes se sou penugem ou plumagem de albatroz, se te afago o pressentimento e te recito “de tudo ao meu amor serei atento”. Quem sou eu para duvidar de propalada omnipresença. Já te contei do canto do condor? O pôr-do-sol visto daqui é mais que um poema. Os faróis dos automóveis tremeluzem no ir e vir para e do Palmarejo. Digo ao pequenote que são horas de recolher. Ele quer saber se é o mesmo sol para toda a gente do planeta. Estarás de olhos postos no sol? Ou estarás escrevendo sobre o teu beijo de batôn. Admitamos, sejas o omnipresente. No meio deste circuito…

(O Captain, my Captain, o condor tem garras afiadas, mas voa apenas ao redor do ninho. Antes que anoiteça, Cuba precisa mudar. A verdade dos betinhos é também relativa e biodegradável. Está claro que me arrenego de certas vernissages. O vinho é de baixa qualidade e é tudo à base de fritos. O mais é o medo legítimo de te querer muito. A tosse má para o meu peito quando te pressinto tão virtual, querendo ser de ti concretude, também como queiras sem máscaras, nem dissimulações. Quanto à arte, sem alarde…eis que entardece)