segunda-feira, setembro 06, 2010

Beirada da quietude

Às escuras

Estou na beirada da quietude e sou um crente na mudança das coisas. Se a água é o precioso líquido, a energia tornou-se também produto de primeira necessidade. Como passar dias a fio sem música, nem Internet? Como jogar ao lixo, sem praguejar, o que estaria no frigorífico: o leite e o iogurte do Pablo, o queijo de Rui Vaz e as sobras da mousse de abacate? E como ser feliz sem o ventilador chinês que, nestes dias de calor do cão, tem sido o meu bálsamo? Logo eu que detesto a luz bafienta das velas. Que abomino as luzes de presença. E os luares que entram pela janela (e tu assim longe daqui), não me conferem romantismo algum aos momentos. Já disse que sou um crente na mudança das coisas e longe de mim pressionar alguém por causa desta afronta colectiva da falta de energia. Afinal todos somos pecadores e impõe-se-nos o dever dos mansos de espírito. O dever da ironia e chamarmos à quietude “Amor em tempos da escuridão”. Sermos capazes de esperar pela energia alternativa. Entrementes, apetece-me voar. No pensamento, naturalmente. Abstrair-me disto que a felicidade, em existindo, terá qualquer coisa de voo ou de pelo menos esvoaçante. Voar sem alarde, nem alvoroço. Sem estratégia, nem plano. Planar apenas e tão-só. Como se sobrevoasse em asa delta uma beirada da quietude. Sem nada. Zen apenas…

Bem-aventurança do medo

Um dia, assistindo pela televisão, a uma entrevista de Frederico Fellini, retive isto: o medo é um elemento vital para o ser humano. Bravíssimo, Frederico. Todos, por sermos humanos, temos medo. E os que se arvoram sem medo têm atitudes desumanas. Os que atiram à população revoltada e manifestante em Moçambique não têm medo. Os que pretendem condenar à morte por pedrada uma mulher no Irão também não têm medo. E os que mandam executar adversários políticos na Guiné Equatorial recusam para si a humanidade do medo. Eu tenho medo que a flor não desabroche e a abelha desapareça. Tenho medo que o Pólo Norte se desfaça e as ilhas rasas se tornem submersas. Medo que um furacão se desvie para o Norte e o meu filho Denzel a estudar em Lowell. Medo que, no meio da avenida, te dê um branco e esqueças de me amar, enquanto o semáforo não muda. Medo de magoar alguém e ir para a cama com o remorso da insónia. Medo, muito medo, de dormir vivo e acordar morto. Medo, muito medo, de não dar todos os abraços que o meu velho merece. Sem nenhuma gana de escrever poesia. Ou de não poder voar pela beirada da quietude…