terça-feira, setembro 28, 2010

K_ultura no Petit Pays

Do cosmos e do caos

A aeromoça da TACV anuncia a aproximação do Aeroporto Internacional da Praia. Os passageiros endireitam as costas das cadeiras e das mesas, apertando os cintos de segurança. Da escotilha do avião, descortina-se a Cidade da Praia: linda, rendilhada pelo mar e inconforme no seu afã de metrópole. O Farol Maria Pia, quase como obelisco na ponta do istmo. O Ilhéu de Santa Maria, divino e felizmente intocado. As achadas e os baixios, bem como as sinuosidades da orla. A ilha de Santiago, agora verde devido às chuvas, abraça a Capital que se implode no amparo da baia. Do alto parece um poema. Balbucia-se o lindo poema que lhe fizera Jorge Carlos Fonseca. O sonho da Praia cosmopolita, entregue ao cosmos. Já em terra, as coisas são outras. São o caos. Os detalhes das imperfeições e das insatisfações. O insano. A cidade a precisar de mais e melhores cuidados de todos – da edilidade, do Governo, da sociedade e do cidadão -, para exalar a áurea que se lhe descortina do ar.

Outubro pródigo e bonito

Este Outubro, que entra pródigo e bonito, de fartas águas e verde chão, é tempo em que o meu kodé faz oito anos e em que se aborda também a Cultura, como imperiosa necessidade para a identidade, para a diplomacia, para a economia e para a competitividade. Mês da Cultura, porque oficialmente efeméride de Eugénio Tavares, reconhecimento probo e em boa altura institucionalizada pelas autoridades cabo-verdianas. Mas as coisas precisam acontecer depois dos seus arquétipos. Aliás, elas já aconteciam antes de os aparatos serem montados e reclamam transcendê-los. Assim, faz sentido que cheguemos ao ponto de questionar e de gizar, com desdobramentos de reflexões e debates (em crítica, mas não em crise), sobre o papel da Cultura em seus vários cenários. É a Cultura que canta “Petit Pays, je t´aime beaucoup”, ampliando Cabo Verde, pela força do softpower, no mundo. É a Cultura o grande leitmotiv da Caboverdianidade.

Diplomacia cultural cabo-verdiana

Defendo, numa palestra sobre “A cultura como um dos pilares da diplomacia: mecanismos e eixos de promoção da cultura cabo-verdiana no exterior “, a ideia de se criar, como recurso coadjuvante à diplomacia clássica e complementar à diplomacia económica, o Instituto Eugénio Tavares. Este seria um organismo fomentador de uma agenda cultural no exterior, tanto junto à Diáspora Cabo-verdiana como junto aos países com os quais temos relações diplomáticas activas e dinâmicas. Assim como o Instituto Camões, de Portugal, e o Instituto Machado de Assis, do Brasil, o hipotético Instituto Eugénio Tavares, mutatis mutandis, deveria tutelar-se pelo Ministério do Ensino Superior, Ciência e Cultura, em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Emigração. Isso, a par de uma maior capilaridade de diplomatas ou de personalidades da Cultura, a servirem como adidos culturais junto às nossas Embaixadas.

Diplomacia cultural tout court

Os países emergentes, ao não possuírem uma diplomacia cultural, complementar à actividade diplomática tradicional e à diplomacia económica já instaurada, insistem na prevalência das relações internacionais de estratégias inspiradas pelo hardpower e pela subvalorização do softpower. É preciso que os mesmos compreendam que, com o avanço dos processos de globalização económica e tecnológica, as relações internacionais passaram a depender, cada vez mais intensamente, da cultura e do softpower, não se confinando ao poder económico ou à barganha política. Diferentemente do que ocorre em países como a França, a Itália e a Espanha, bem como na lusofonia em países como Portugal e o Brasil, que desenvolvem projectos para divulgar a sua ampla gama de expressões culturais, por meio de uma política exterior integral e integradora, em países como Cabo Verde a Cultura não ainda é considerada um factor coadjuvante da política externa.