terça-feira, setembro 21, 2010

Orvalho, névoa, cerração e neblina no alvorecer

Ao meu amigo Omar Camillo


 
Estarei aqui para rezar,
agradecer a Deus este conforto gigante.

Adélia Prado


Dia lindo

Não repares, amigo, nascerem certos dias ao contrário. Mas ora descortino orvalho, névoa, cerração e neblina, numa linda sinfonia. Alvorece, amiúde, um dia lindo. Será que também raiou um dia de rara beleza sobre a Pátria, aquela do canta, irmão, do canta, meu irmão, enquanto me desnudo para um banho de pétalas? Não que eu descortine a República como um mural de sombras ou em clarões bem mais difusos. Mas carrego as minhas legítimas dúvidas sobre o Banho Pátrio, se não estaremos confundindo nós sempre nuvem com Juno, a mandar para o ralo o bebé banhado. Já a mesma preocupação tivera Eugénio Tavares, em tempo menos probo, e fora o Poeta perseguido e executado pelas feras de serviço. Dúvidas existenciais, diria, posto que já na soleira da senectude, saber para onde se vai mandatário se torna. Será que sobre a Pátria, outrora terra dos nossos avôs, ora de o homem a certeza, recaiam as seleccionadas estrelas do zodíaco e nos emprestem alguma luz estelar de outros caminhos?

Maçónica disfraçada

Se do Velhote irmanasse a Pátria, se dele também emanasse, para além da espuma que lhe cristaliza a fronte e lhe doura o corno da República, a luminosa fonte da Verdade, fosse ainda ele, para o gáudio dos Melhores Filhos, o dono da res publica, eu me queria tão longe quão eremita, em busca do Nirvana. Numa recuada montanha e um condor viria ao fim da tarde dialogar comigo e a neblina. Ou quem sabe valesse a pena baralhar e jogar de novo, estando, como estão, as quinas viciadas. Restaria o consolo (e a grata esperança) de as verdades se tornarem todas biodegradáveis e mal-cheirosas. O haver dinâmico desafio da vida a estes acerbos dias. E a Pátria, ao invés de assaz maçónica disfarçada, se tornasse, cada vez mais, casa, abrigo e porto seguro de todos nós...

Nu na janela

Tão nu como nasci, vejo Belo Horizonte pela vidraça. Sem as afoitas vestes da certeza, nem os sapatos da esperteza, esta cidade me encanta. A minha consentida solidão sabe ao abraço de uma deusa tântrica e mais cósmica diante da real nudez. Homem peladão, como em lascivos momentos a divina faria jus ao “um ano embarquei nos seus olhos e, desde então, não navego mais sozinha”. E é cómico como me soa a poema o amanho desse pássaro! Carece e merece o Albatroz de bons momentos. Como todo o mundo, aliás...

Godot, crónica & etc

Fiquemos, amigo, aqui por ora. Enquanto isso (ou, antes que mais tarde anoiteça), penhoradamente agradeço aos leitores pela paciência com que passeiam por estas croniquetas amenas. Uns há que esperam Godot (é a grande maioria). Outros hão de aguardar pelo K Magazine, a cada quinta-feira. Nesse meio tempo, amigo, orvalho, névoa, cerração e neblina no alvorecer de dia bem mais lindo...