terça-feira, dezembro 29, 2009

New Year Eve

O branco


Assim, de repente, não me ocorre escrever nada. Quando venho para o computador escrever as crónicas do K Magazine não imagino antecipadamente o que escrever. Nunca sei o texto que vai acontecer. Fica-me este branco na página do Word 2007 e penso mil coisas que possam interessar ao leitor. E se escrevesse algo desinteressante, assumindo a liberdade de me desnudar? Espero, sinceramente, que 2010 traga um pouco de generosidade, um pouco de solidariedade, um pouco de fraternidade. Mas escrever sobre isso soa-me sem sentido, nesse crispado ambiente político, tão fora de hora e do tempo. Consegui não apanhar a dengue. Pedi ao Denzel que não viesse de férias em tempo aziago. E o Pablo também se safou da epidemia que trouxe medo ao ano que ora finda. Encontro forças para apoiar uma irmã, vítima de uma grande mentira, e vou descobrindo o mundo cão que isto não é. A minha cidade tem calçadas sujas, lixo fora dos contentores e buracos que nem um queijo suíço. O sonho onírico de bomba termonuclear do poema de Arménio Vieira, estrela cintilante do ano, devia ser verdade. Mas tudo é verdade. Ou nada o é. Adiante…






Migalhas de pão


No poço mais profundo das minhas emoções, perdi mais um ente querido. O meu primo Pedro, que só via de raro em raro, partiu sem dizer adeus e a minha alma, já magoada por este tempo natalício, ficou infinitamente mais triste. Morreu cedo, antes do tempo, pois há gente peregrina, tanto na vida como na morte. Sozinho, para que o mundo não me ouça, balbucio-lhe as palavras de Fernando Pessoa, sob o espanto do suicídio de Mário Sá Carneiro, em como morrem cedo aqueles que os deuses amam. Esfarela-me nos dedos uma côdea de pão da lembrança. Figura de uma estampa fina e reservada, de um humor elegante e sábio bem na linha dos Barros, lá dos Saltos, ele tinha uma alma mansa. Tinha ele também tudo para sorver a vida de um encantamento. Mas, vulnerável à compulsão do destino que lhe roubara a mãe na primeira infância, Pedro foi partindo à sua maneira, pois somos afinal pó. Ou migalhas de pão esfarelando nos meus dedos…






Eu, de 2009


Eis que o ano de 2009 chega ao fim. Trabalhei muito em termos literários. Como escritor e como escriba. Escritor para sustentar a minha alma e escriba para sustentar as minhas contas. Pudesse, estaria com a minha tralha e o meu kodé num retiro de criatividade e de estudo, mas valores mais necessários se impõem e a malta terá de me aturar em 2010. Fechando a quadratura, farei tal retiro, pois um homem não pode viver demasiado tempo apartado dos seus sonhos. Eu não tenho razão em muita coisa. Estaline, Trostky, Hitler, Pinochet, essa gente nada brilhante, apesar da tosa, tem razão em tudo. Pessoalmente, prefiro estar na dúvida e na fragilidade. Prefiro a postura de aprendiz da vida e da morte. Por isso, sou poeta. E, já agora, não encontro nítida razão para ser estruturalmente outra coisa. Sou assim mesmo e pronto, nada mais posso fazer a respeito.






Ano Novo


Acredito, mais por intuição que por certeza, ser o ano novo. A fé não tem explicações, mesmo quando move montanhas. Não será pelo Millenniun Challenge Account, nem pela Boa Governação de Cabo Verde. Tão pouco porque o meu amigo José Maria Neves anda a marcar pontos políticos. Ou mesmo porque a nossa fragilidade nos aponta para uma grande inovação criativa. Tudo isso, que é muito e notável, não bole a minha intuição. Talvez porque, tal como uma flor no deserto, aguarde por um grande amor. O próprio fazer do amor para que o glorioso poema se enovele e, por sinuosos mares amiúde, à nau de fados e sinas, também se aporta às ilhas. Mas, ficando aqui dito, não tenho certezas…