segunda-feira, dezembro 21, 2009

Rabidantibus Natalício




(Eis que neste fim do ano da graça se publica o livro "De Rabidantibus Coletânea 1975 - 2006" de Manuel Delgado, enquanto numa bonita ilha do norte Cabo Verde inaugura mais um aeroporto internacional, ficando o desnorte se o Natal sem dengue sê-lo-á  igualmente sem gripe A)‏











Manuel Delgado


Fui (e continuo a ser) um admirador confesso do jornalista Manuel Delgado. Antes de mais, pela pena limpa e esterilizada, como um bisturi cioso dos cortes a fazer. Pelo texto enxuto e conseguido, dizia, sem derramar adjectivos, posto que a bandeira da isenção e da imparcialidade obrigava ao profissional o prumo dos substantivos e dos complementos indirectos. Depois, pela atitude frontal e desabrida de quem tratava os deuses por tu e os demónios com desdém, cadáver armadilhado era ele. Meio kamikaze era também o Delgado a dizer “Só se mete medo a quem tem medo”. E ele não o tinha. Finalmente, pela amizade sincera que não dispensava visões apartadas sobre a vida, a morte, Cabo Verde e o mundo, para não vos dizer, com solzinho enternecido, a luz e a sombra. E, pela minha parte, parte de amigo que fui (e continuo a ser) grato estou a jornalista Gláucia Nogueira, pela recolha e organização dos textos do melhor cronista da imprensa cabo-verdiana desde Pedro Cardoso e Eugénio Tavares!






A tarde ao seu tugúrio


Nesta cidade e nas demais adjacências, a azáfama do Natal cansa-me. As luzes na praça, as árvores enfeitadas, o corre-corre pelas lojas, o Nho San Silvestre na rádio, os cartões institucionais e a troca de prendas, enervam-me. Os jantares de funcionários por esta ocasião dão-me urticária. E os discursos políticos, quando o vocativo reza “Caros Cabo-verdianos”, fazem-me enxaqueca. A lojeca da esquina insiste que eu compre gato por lebre. A rapariga, ao balcão, desconhecendo-me lúcido e poeta, promete ao cliente a tarde ao seu tugúrio. E eu, parafraseando a amiga Márcia Souto, uma princesa lá de Belo Horizonte, dou troco devido: “Cuidado com o andor que o santo é de barro”. Creio ser do instinto primevo e ancestral este cansaço…






Pai Natal


Na madurada tarde, ouço a tua voz a dizer que embora eu não acredite, o Menino Jesus nasceu neste dia de Dezembro e tu, que o dizes com tanta eternidade, deves ter os teus canais seguros. Quando me falas, fico abalado. Balançado. Numa cadeira de baloiço em que me esqueço de mim mesmo. Bem que me dizias ser o tempo o senhor da cura. Tempo de tudo, inclusive do amor. De repente, estando eu assim viajado em divagações, alguém toca a campainha. Levanto-me de um palavrão - quem ousaria perturbar tais navegações -, e vou ver quem seria. O meu filho acha que é o Pai Natal. Mas é o mendigo que vem, mais uma vez, buscar um prato de comida. É abrir, poeta. Pode até ser (nesse disfarce) o Menino Jesus…










(Passam por mim, que me janelo ao cair da tarde, uma canalha de matuto e um casal que lhe policia o encalço, pois que então corre ainda o ano de graça de dois mil e nove, em furibundo tempo natalício onde os assaltos mais acontecem, e guardava comigo uma saudade existencialista com que vos arremesso este Rabidantibus Natalício, bem a Manuel Delgado)