Há que vocalizar, em tempo mais que preciso, o nosso sentir da catástrofe. Sublinhando, naturalmente, o lento regresso à normalidade, já que o infortúnio não é eterno a pairar sobre o Mundo. Primeiro, o terramoto. Depois, o maremoto (virou moda chamar-se-lhe tsunami). E, puro coice na queda, o risco de contaminação nuclear. Perante tudo isso, tão grande a nossa admiração quão total a nossa solidariedade pelo povo japonês. O estoicismo, a disciplina e a ética colectiva. A religiosidade aprumada do fazer coisas com esmero. Essa outra coisa, diferente e apartada, dir-se-ia ideograma de um mundo complexo, mas que se estampa em frágil seda e se rendilha com aparada linha. Qualquer som de gongo que, do seu vibrar longínquo, faz voar a mais ágil borboleta à porta do templo. Por um instante, não se pense o Japão industrial, portentoso e trepidante. O Japão competitivo e imperial. O Japão omnipotente é outro e tem cara pesada. Biombo de bambu, fresca brisa sobre as flores de tangerina. Sente-se o Japão da ágil, mas também frágil, borboleta.
Dia Mundial da Poesia
A Poesia não deveria ter ‘dia mundial’, essas coisas que, tornadas efemérides, geram obrigações, compromissos, politiquices, o que se sabe. A Poesia deveria ser solta, desabrida, vadia, puro tesão, mesmo que ruborize faces encalhadas dos dias estabelecidos. Que subverta os valores, troque os dias pelas noites e os Vês pelos Bês. Que pule a cerca e se evada destes campos fechados e que concentram a mediocridade dos poderes. Qual ‘dia mundial’! Todos os dias são dia mundial da poesia, ora. Continuem os poetas a carpir o sal dos dias que lhes carcome a pele e lhes cinzela o coração de quase nada. Continuem eles, tal como o albatroz descrito por Charles de Baudelaire, a serem, à vista longínqua, príncipes das nuvens e, à proximidade rasca da canalha, feios e trôpegos seres. Continuem eles ‘altos atletas da mágoa’, assim benquistos pelo nosso José Luís Tavares, esses livres, libertinos e o que mais queiram vocês que aturam seus dislates.
Mário Lúcio Sousa
Saúdo, com amizade e confiança, Mário Lúcio Sousa, poeta, dramaturgo, músico, artista plástico e activista cultural, ora tornado Ministro da Cultura. Antes de mais, o meu regozijo pelo retorno à autonomização da Cultura na orgânica governativa, porque, tal como o vaticínio de Pêro Vaz de Caminha a reportar ao Rei de Portugal a ‘descoberta’ do Brasil, a Cultura Cabo-verdiana se plantada, dá. Depois, o meu regozijo puro e duro pela escolha de um intelectual arguto, sereno e bem relacionado com Cabo Verde e o Mundo para assumir o cargo numa hora em que se nos impedem desafios da integração global e da afinação pelos nunca dantes navegados mares do Desenvolvimento. Um país não se mede apenas pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mas tambem pelo produto não bruto (e quase sempre imaterial), que amiude vamos produzindo com as nossas almas. Haja sementeira!
Nota: Por razões ponderosas, a ver com encargos outros, nem sempre compatíveis com o estarmos ‘em crónica’, são estas as últimas notas do K Magazine. Devo, neste momento, agradecer a todos quantos de alguma forma deram atenção a estes escritos. Foram centenas de crónicas, tantas que, em cuidada selecção e revisão, poderão tornar-se em livro. Ficarei com saudades do meu ‘vizinho’ Daniel Medina, confrade com o qual venho dividindo a página do jornal A Nação. Vou ler os seus textos sempre com agrado e balbuciar que o modo vale mais que a moda. Igualmente, agradeço de coração os que labutam neste semanário e, na pessoa de Alexandre Semedo, dou um abraço a cada um. Finda o primeiro acto. Não tarda o abrir do pano para o segundo acto. Ou não estaríamos em Março, mês do Teatro…