Temporão
Essa versão da democracia como a panaceia dos nossos males da alma? Essa política da raiva, do fel e do agressivo? Essa espécie de «cloaca máxima», que em Roma Antiga drenava os esgotos, aqui aos do pensamento? Não me façam rir. Esse discurso cartesiano, da lógica barata, da ladainha de sempre? Convenhamos que merecíamos melhor neste tempo de estio. Acreditá-lo nem por isso. Tão pouco creditá-lo. O Livro diria: «tanta vaidade e o vento que passa». Aplaudo a retirada dos outdoors, todavia. Ao menos isso, companheiros. Eram feios, sovinas e avarentos. De enorme mau gosto. O pessoal não aprendeu que a estética poderá fazer parte da política. Ou talvez pense que somos «o admirável gado novo». Uns simplórios que se satisfazem com a vulgata. Em verdade, não o somos, acreditem…
Quando se alvoroça
Às vezes, na quietude, o alvoroço destas árvores. São as acácias da minha rua, umas antigas, outras nem tanto. As de outrora me recordam a infância (tua trança ali, primeva transa acolá). E as de agora, se calhar por noviças, nem de alhures me lembrariam a nada. Se te contasse dos malucos do meu tempo: Bernas que também era epiléptico; Fátima Doida, elíptica como ninguém; Soraya, olhos grandes e perfume de eucalipto. Mas não, eles agora inexistem e o texto, sempre fora do contexto, reedita as suas sombras. Deve ser do troço de tais árvores. Ou arvora-se em tua face o corte diagonal do tempo. Sabias que a neblina não é inocência em estado puro? Tudo se liquefaz – do retrato de Che à Constituição Nacional, passando, naturalmente, por esses altares de se ajoelhar. E faz-se lua. Algo mais que o luar. Enluarar pode ser o infinitivo de assaz verbo. Quão intransitivo. É mais do que se fazer à lua. É ela, toda nua, a fazer-se em mim. Um dia, tu vais entender…
De vez em quando
Apanha-me deste lado o fastio ao passear por estas ruas. Acontece-me, assumindo amar cada esquina e cada luz ensombradas, por tão lúgubre raiar, que se incendeia hoje aos homens da cidade. Apanha-me deste lado a náusea de encorpar essa pasmaceira com que as horas vão pingando, torneira a gotejar em dia de água, ora à míngua de luz eléctrica, ora à bonança de um estio reinante. Haverá gente, que não este a escrever, resignada ao paulatino assalto dos facínoras. Gente resultante do que, à 25ª hora, se ordenha diria que de fartos benesses e doutros agrados de quem ordena. Apanha-me deste lado o que, por pudor e recato, se recusa a gritar em mim. Tempo pródigo de sair por aí…