Gosto de sentir a chuva, quando vagarosa como agora e deixa uma batida de saudade cá dentro. Em verdade, gosto mais do céu com cara de chuva. Não que eu esteja romântico, realista, hiper-realista, surrealista, blá-blá-blá. Apenas ando nostálgico por estes dias. E um cristão (quanto mais um ateu) terá direito de acordar encharcado, como amanhã, por triz do acaso, possa ele se raiar solar para caramba. Chuva suave, parecendo brisa. E eu vou escrevendo como um navio à vela que, indo longe no mar, se esbate na neblina. Chove e a chuva para mim é aquela canção de Jorge Benjor "Chove, chuva": simplista, quase cristalina, com a verdade da água de uma lagoinha. Vezeiro, costumaz e renitente da minha varanda, vejo o mundo acinzentado. Terçar armas contra a solidão? Deixai-me em busca dos meus silêncios desavindos. Uns estarão pela chuva vagarosa e mansa, outros andarão em tal navio pela névoa plúmbea. Desconfio, vasculhando-os de fio a pavio, que é tudo vazio. Senão tão venal quão será o pensamento, existirei de haver cá dentro batida de saudade...
Água rósea dos cântaros
Conta-me o amigo João Branco da perfídia dos seus detractores anónimos. Mas o que queria ele que houvesse? Gente reconhecida, grata e alegre por já haver movida teatral em Cabo Verde? Gente saudável e sem peçonha, de bater palmas quando se iluminam as luzes da ribalta? Gente que não mata, nem esfola, quando se lhe aparece outrem com a graça de uma borboleta e o viço de uma rosa em seu lado de cá? Não, meu caro. O meio não é pequeno, mas tacanho. Os tempos não são novos, mas minguados. É tudo neófito, do piorio e bafiento: a xenofobia à moda, o racismo emprestado e a contradança da malidecência. Eugénio Tavares, ora patrono da Cultura, passou pior com a miudeza administrativa. Mesmo Baltasar Lopes, ora adulado em morte, era apupado pelos mediocres da parvónia. E Amilcar Cabral, que a veneranda ora cita, fora ceifado pelos seus. A perfídia verde ou amarela - a peçonha seja ela em arco-íris -, tal como as chagas no dorso de Cristo, os detractores anónimos são o ínfimo sinal de sermos água rósea dos cântaros...