(Queria Hölderlin que o Poeta intermediasse deuses e homens. Procurasse ele esse nada primordial para que o mundo se refaça a partir do vazio. Mas não é fácil. Que País é esse, companheiro? Que tempo, por ventura? Talvez depois da Copa…até ver)
Começo da realidade
Cabo Verde, encontrado desabitado e no meio da encruzilhada atlântica, é terra que o cabo-verdiano criou. Desde a Hora Inicial, aprendemos que “quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha juntos é o começo da realidade”. Cedo, na ancestralidade quase do impossível, os nascidos nestas ilhas criaram uma língua e uma forma de ser e de estar no mundo. Formataram um ethos e um pathos, radicados na dispersão, primeiro, insular, depois, diaspórica, e, em longevo afã, a realidade nacional. Esta é strictu senso uma civilização: a mais ancestral das crioulas. Portamos, em toda a linha e nos ínfimos meandros, o sentido de pertença colectiva (Stand as one) e a cultura que nos interpela à uterina raiz mestiça. Eu não sei se o céu será o nosso limite, mas pressinto que tudo pode acontecer e que isto já é um país viável, quando há trinta e cinco anos era improvável. Aos que nele apostaram, com fé e crença, bem como desmedida entrega, a minha eterna homenagem…
Cidade
Para o músico brasileiro Caetano Veloso, a palavra única (primeva até) seria “cidade”. Ela resumiria o ideal (e o desejo) do homem contemporâneo. Em suma, o nosso habitat é cidade. E palavra que continuo este argonauta urbano, sobretudo agora que o pessoal legislou Cabo Verde – de 5 para 22 cidades – para a realidade urbana. Naturalmente que cidade para mim não se resume ao novo estatuto administrativo para as sedes municipais, mas importa que albergue o ideário da sustentabilidade, da gestão e da criatividade. Precisamos, com urgência, de uma visão política para a cidade. Que formule o mínimo denominador comum - com base na disponibilidade da energia e da água, de sua potabilidade, da colecta e tratamento do lixo, na qualidade do sistema de transporte, do tratamento de esgoto, da poluição do ar e do congestionamento de trânsito – e, a máxima programática, em prol da correcção ecológica, da fruição cultural, da economia solidária e da liberdade cidadã. Cidade, a rigor, é uma responsabilidade para com a qualidade de vida e o bem-estar colectivo.
Saudando abstractamente o infinito
Todavia, o ter estado numa floresta a declamar poesia foi uma grande escola (muito para além desta visão apolíneo-dionisíaca): de respeitar o ritmo da natureza, de mudar a lógica do consumo, de dar importância ao tecelão da hera, de dar aos lugares a sua real dimensão de ecumenismo. A floresta ensina a pensar, a entender a angústia do reconhecimento e a ansiedade de superá-la. Ensina que o caos não é o cosmos e que o crescimento nem sempre é desenvolvimento. E, na boca da noite ou na flor da manhã, apesar de tudo, nos restará apenas e tão-somente o tempo para amar. É que o ódio, por mais que se explique, não condiz com o tempo que nos sobra. Nas antípodas do ódio, a poesia exige uma contemplação, uma tolerância, uma coisa zen cada vez mais difícil de ser encontrada nesta visão reduzida de Pólis que nos alucina.
(Estará o Poeta preparado para intermediar, como queria Hölderlin, deuses e homens? Enquanto isso, em carácter paliativo, temos a Copa. Estando entre Circe e Penélope, este apolíneo papará as duas. Falávamos de cidade, não era?)