No Cutelo Alto, Mosteiros, dorso escarpado e fértil, dir-se-ia encosta do Vulcão, os muitos e cruzados olhares e suas afoitezas. O descendente milheiral a perder de vista. Crianças douradas, olhos de uva, são ruidosas entre as folhagens e fumegantes casas. Posto que há vapores, fervores e, ressentidamente, amores de “padjigal”. A névoa assenta seu orvalhado manto sobre a música, igualmente ruidosa, de um terraço mais próximo. Grasnares esparsos (e os corvos já são raros), tão parcos quão reminiscentes milhafres. Rufares, alhures, no “padjigal” de amores acontecendo. Balbucio-vos os versos de Adélia Prado: Deus há! E pode que haja o diabo. As goiabas racham-se por não se conterem; explodem os amantes, frutos em si, de já maduros. Por mim já era semântico (balsâmico até) que os seres se amassem em assaz amanho. E a tarde se extingue alvacenta no Cutelo Alto. Não fosse a cerrada névoa sobre os cafezais, pareciam longínquas como estrelas as luzes de Santiago – a ilha grande…
Fosse em Siracusa
Não tomes nuvem por Juno (ou inhame por bife), assim me dizia o sábio, toda a vez que, por excesso de palavra, confundia mátria com pátria. Sobretudo, quando, no afã de certa história, me embriagava pela versão dos deuses da esquina e percorria as avenidas do tempo no carnaval dos renitentes. Dizia-me ele, sabido e probo, que da bandeira as estrelas caiam, uma a uma, e esboroavam-se no chão como cinzas. E o azul, cúmplice do vermelho, entrava na esquizofrenia do sem cores e um palhaço de serviço lembrava de entoar o desafinado hino, em que a clave, desafinada, a ninguém desafiava. Os pequenos deuses são de facto a nossa tragicomédia! É vê-los aos pinotes (em tanta egolatria), nessa coreografia de tiranos. Em Siracusa, eram motivo de chacota e de bater das latas. Por aqui, nem a vaia cidadã. No conto do sábio, soam à farsa. Ou, se tanto e com eufemismo, à representação burlesca. E, pensando em douta sabedoria e em toda a mátria, não me é preciso regressar ao quadro de René Magritte para entender que “Ceci n´est pas une pipe”…
Mil tons de Mário Lúcio
Saúdo, em toda a crença, o álbum “Kreol”, de Mário Lúcio Sousa, um dos mais sábios, talentosos e prolixos músicos deste nosso tempo cabo-verdiano. Com uma noção mais láctea e global da crioulidade, este nosso amigo traz, para a delícia das nossas almas, novos pensares e falares, outras sonoridades, que em labirintos de nós próprios, raras, mas pródigas vezes, se deixam esvair. Mátria esta, ditosa em toda a linha, seduzida pelo cognitivo pulsar (e mil tons) da sua Música em convívio com o Mundo…