Acontece. Sabe tão bem gostar de ver o luar.
Com o olhar de homem mais maduro. Na linha daquela linda morna de Eugénio Tavares, em que o amor se lhe afinava no devagarinho e no tal entardecer da idade. Sem o cavalo largado e a relinchar de tanta juventude. Mas também sem as velas pandas de um veleiro em vento ausente. Apenas sereno, na verdade de chamar o «petit gateau» de bolo de chocolate e na afoiteza de ver a lua a se derramar neste momento a sua condição de astro pela noite.
Eu, por mim, me desculpando pela imodéstia, estou bem no ponto. Nem conto isso de folha em branco. Mais precisamente do monitor em branco. Tenho a pauta cheia e as sugestões são muitas. Uma amiga quis que eu escrevesse sobre a chuva. Outra sugeriu que pusesse no meu texto umas barragens retendo água. E não faltou quem quisesse uma escrita mais consequente, de companheiro das causas e das bandeiras. Mas, repito, estou no ponto de rir de mim. E de tudo…sem maldade nenhuma.
Sabe bem o estar assim, reconhecendo, sem drama, mas com calma, estarem estas mal traçadas de hoje meio complicadas. Tendo parco talento (e estro tão-pouco) para outra verve que não esta, escrevo apenas isto que me vai na alma. E faço-o nos meus limites. O nome que encima esta crónica é de uma famosa canção de Gilberto Gil. O mago diria que «a gente precisa ver o luar».
Quem sou eu? Não me conheço crente, nem descrente. Sou parte do nosso relicário…resguardo-me nestas margens de pessoa comum e me guardo, em metade rio das nossas vidas. Aliás, me vaticinara tudo isto uma baiana Mãe de Santo.
Os pratos que eu gosto? Em termos do comer, me apraz o trivial chicharro grelhado, arroz de feijão e molho escabeche, ou então uma barriga de atum (também na grelha), batatas cozidas e com azeitonas grandes. Obviamente, salada de alface, pepino e tomate, regada com azeite extra-virgem e o vinagre balsâmico. Pão, de todo o tipo. Um luminoso ovo estrelado, de vez em quando. Tudo disposto em prato grande, com aqueles desenhos de Miró. E, em termos do beber, chá gelado ou vinho tinto (para o fresco e sem frescuras).
Os poemas que leio? Gosto de tudo, desde aqueles versos de Neruda aos versos nas camisetas da Feirinha, passando pelo teu silenciar que me invade na paz de Alberto Caeiro. Imagine, fosse eu aqui listar os poemas que gosto e leio! Prefiro falar sobre as praias desertas ou as montanhas intermináveis. O homem banal tem cada uma!
Qualquer dia, saio a campear por aí, que o céu é grande e o mundo é largo. E a glória, diga-se por vezes o seu viés, é poder campeá-los. Entrementes, ter coisas e causas pelos caminhos, sobreviver aos vendavais e à calmaria, regressar a uma espécie de começo mesmo que nada nítido ao espelho. Qualquer dia, sou de viagem. Filosoficamente, já sou vadiagem…
Poderei nesta idade, de homem a caminho dos cinquenta, abrir-me ao jogo do destino? Fazer o quê se me alumia no coração a chama de uma estranha paixão? Estou idílico, leviano ou apenas sendo eu nesta eterna idade? Em verdade, nem sei. Nem interessa sabê-lo. Mas sabe tão bem gostar de ver o luar.
Bem, vou dormir o sono dos justos.